sexta-feira, 31 de agosto de 2012

BAIRROS DA CIDADE - VIII

  
2.3.2 Bairro da Victória - II


Alçado existente em O Porto no Época dos Almadas de Joaquim Jaime B. Ferreira Alves.

O Arquitecto Teodoro de Sousa Maldonado trabalhou para a Junta das Obras Públicas entre 1789 e 1792. Dada a sua competência foi nomeado o primeiro arquitecto da cidade em 1792. Desenhou e executou várias importantes obras, dentre as quais destacamos: a Rua de Santo António, a Calçada dos Clérigos e a Rua da Boavista. Além de arquitecto, era um excelente desenhador a quem se deve a magnífica vista do Porto inserida na primeira edição do livro de A.R.C. Faleceu em 1799.


Porto, da Torre da Marca ao Recolhimento dos Órfãos
Gravura de Teodoro de Sousa Maldonado, 1789 -
Esta é a primeira gravura do Porto em que se vê a Torre dos Clérigos.


Armas da Cidade inseridas na gravura acima. Nossa Senhora de Vandoma rodeada por duas torres e a legenda “Civitas Virginis”

A Rua dos Clérigos começou por chamar-se Calçada do Correio-mor, depois Calçada da Fonte da Arca, Calçada da Natividade e por fim Calçada e Rua dos Clérigos. O Correio-Mor encontrava-se, no séc. XVII, na actual Rua do Conde de Vizela, antes Rua do Correio. A Fonte da Arca, na parte Sul/Poente da Praça da Liberdade, mais tarde Fonte da Natividade após as obras em que nela foi colocado um nicho com a imagem de Nossa Senhora da Natividade (ver Fonte da Arca e da Natividade quando tratarmos das fontes do Porto).

“A calçada dos Clérigos desce com bastante declive desde a frontaria do templo até á praça de D Pedro. Prestando-se, pela sua muita largura a ser guarnecida de arvoredo, mandou a câmara municipal modernamente plantar dois renques de arvores um de cada lado junto aos passeios. Quando o sr. Seabra tirou a photographia de que é cópia a nossa gravura, ainda não existiam alli as arvores, e era macadamisada. Actualmente está calçada com pedras cúbicas, todas de eguaes dimensões. É a calçada dos Clérigos um dos sítios mais concorridos do Porto. Deve esta vantagem a diversas circunstâncias taes como: a sua visinhança de parte do principal mercado público, e da outra, da praça de D. Pedro, e de outras ruas onde o movimento commercial é mais activo; as lojas de variados objectos que a guarnecem; e a ser a mais bela communicação da cidade baixa para a alta. O mercado do Anjo, assim chamado por ter sido edificado no logar dantes ocupado pelo recolhimento d'aquella denominação, fica ao norte da egreja dos Clérigos, apenas separado d'ella por uma rua. As lojas referidas encerram, no maior número, fazendas de seda, lã, linho e algodão, e muita diversidade de objectos de moda, porcelanas, cristaes, bronzes etc. Nenhuma se faz notar pela elegancia da armação, nem pela bonita disposição dos productos, mas algumas são notaveis pela muita cópia, e mesmo pela riqueza d'estes últimos.” I de Vilhena Barbosa in Archivo Pittoresco, Ano de 1864 -  Do Blog Porto Antigo
Em 1766 foi feito o rebaixamento e calceteamento da Calçada da Natividade, hoje Rua dos Clérigos.


Rua Arquitecto Nicolau Nazoni, antiga Travessa dos Clérigos – foto de Francisco Oliveira

A muralha Fernandina passava pelo local onde estão construídas as casas do lado Sul da Rua dos Clérigos. “As demolições (desta parte da muralha) começariam a partir de 1787. Nesse ano, o Presidente da Junta pediria para Lisboa a autorização necessária para ser apeada a muralha do “lado meridional” da Rua dos Clérigos, não só porque ameaçava ruína, mas também porque permitiria o seu alinhamento… O derrube da muralha do lado Sul da Rua dos Clérigos, permitiria, para além do alinhamento referido, abrir uma rua que faria a comunicação entre aquela rua a a chamada Rua de Trás (actual Rua do Arquitecto Nicolau Nazoni). A raínha autorizou os proprietários possuidores de casas encostadas à muralha, ou a ela contíguas que pudessem “adianta-las e crescer com ellas até o alinhamento regular da referida rua; sujeitamdo-se eles a fazer as frentes que para ela ficarem segundo o prospecto, e plano aprovado e posto em execução nas outras propriedades situadas na mesma rua”. A área demolida não se confinaria só ao lado sul da Rua dos Clérigos. Foi autorizado o apeamento da muralha desde a Porta dos Carros (em frente à Igreja dos Congregados) até à Igreja dos Clérigos." In O Porto na Época dos Almadas de Joaquim Jaime B. Ferreira Alves



Fotografia que, pessoalmente, muito me diz. Vê-se a Rua dos Clérigos, em 1908, engalanada esperando a passagem do Rei D. Manuel II que acabava de chegar ao Porto em visita oficial. À direita vemos a casa Á Noiva onde em 1893, com 12 anos, o meu avô paterno, Francisco da Silva Cunha, entrou como moço de recados, ao tempo chamado marçano, e onde foi desempenhando de forma brilhante a sua profissão. Ascendeu a empregado de balcão, pondo gravata como era de tradição, e mais tarde a gerente da loja. Nesse tempo os empregados viviam na própria casa dos patrões, habitualmente no último andar onde se encontrava a cozinha e os quartos das criadas e dos empregados. Tendo-se apaixonado pela Menina Luisa, filha do Sr. Alves, o patrão, decidiu sair e lançar a sua própria casa de retalho em 1903. Deu conhecimento disso ao Sr. Alves, que aceitou e apoiou, pois via no seu gerente um homem sério e trabalhador. Foi assim que, em 1903, fundou no nº. 54 o ESPELHO DA MODA. Prometeu ao Sr. Alves que, assim que lhe apresentasse dois balanços com lucros suficientes para manter a sua casa, lhe iria pedir a mão da menina Luisa. Em 1905 casou com a minha avó, vindo a ter 3 filhos. Por alturas desta fotografia o ESPELHO DA MODA tinha 5 anos e não é visível por se encontrar tapado pelo eléctrico.
Uma curiosidade é verificar-se que nesse tempo, à inglesa, ainda se circulava pela esquerda, e só em 1928 o novo código mudou para o sistema continental de circulação pela direita.


Espelho da Moda - fachada inicial de 1903


Fachada de 1928 a 1945
Publicidade dos anos 30 e 40 do séc. XX

Espelho da Moda e Rua dos Clérigos engalanada no Natal - a nova fachada foi inaugurada em 8/12/1945 - projecto e decoração do Arquitecto Amoroso Lopes. 


Montra de 1945

Comemoração dos 75  anos - 1978

Nos anos 60 foi inaugurada um boutique no primeiro andar

Muitas e interessantes histórias teria para contar sobre o que foi a actividade do meu avô Francisco desde 1903 a 1954, quando se retirou do Espelho da Moda, passando os seus últimos anos entretido a comprar, vender e trocar selos. Filatelista desde rapaz, ganhou várias medalhas de ouro em exposições nacionais e internacionais. Por esta casa passaram três gerações dedicadas ao desenvolvimento da firma F. da Silva Cunha & Filhos. Chegou a ser a casa mais antiga do Porto do ramo de malhas e meias, tendo em 1918 introduzido na cidade as meias de seda natural, produto importado e muito caro.
Pelo menos desde o princípio do séc. XX e até aos anos 50 as casas comerciais do lado esquerdo, quem sobe, da Rua dos Clérigos eram os chamados fanqueiros ou carapuceiros. Vendiam fazendas, xailes, lenços de cabeça, carapuços e outros artigos usados para o público dos arredores do Porto e criados ou criadas e empregados de comércio. Do lado direito perdominávam as lojas de moda, camisarias, miudezas, que vendiam artigos mais caros. Recordamo-nos muito bem desta diferença de expor e de técnica de venda.
O comerciante do Porto era muito cioso da sua reputação na “praça” e na continuidade do seu negócio. Havia pais não autorizavam os filhos a ir estudar para Coimbra com receio que seguissem outra profissão e a sua casa não tivesse continuidade. E, muitas vezes, aqueles que tiravam uma formatura, regressavam ao estabelecimento do pai. Pelo menos um dos filhos deveria manter a tradição da família.