sexta-feira, 28 de junho de 2013

CARÁCTER, GÉNIO E COSTUMES DOS PORTUENSES - III

3.2 - Carácter, Génio e Costumes dos Portuenses 



Nos séculos passados, não era muito frequente as pessoas tomarem banho. Porém, havia famílias que aqueciam água transportada pelos galegos e se banhavam na sala ou na cozinha em banheiras de cobre. Primeiro banhava-se o patrão, depois a patroa e seguiam-se-lhes os filhos, sempre na mesma água. Depois eram as criadas e criados e até os empregados da loja, quando aí viviam. Esta água ficava, como é evidente, muito suja. Perguntámo-nos se não virá daí a frase “deitar fora o bébé com a água do banho”. 
Porém, a população poderia frequentar os banhos públicos desde 1854. 
Claro que podia tomar banho no Douro ou numa das muitas ribeiras da cidade. Mas, a partir de 1852, até poderia tomar comodamente, no rio, o seu banho.


Vê-se, a meio do rio, uma espécie de cúpula que era uma barcaça/barraca onde os púdicos e púdicas portuenses iam tomar banho no rio. Esta barcaça foi feita em Gaia em 1852. Sobre este assunto, O Tripeiro Série V, Ano VI refere um artigo de Camilo Castelo Branco de 10/8/1857, em O Nacional: “Há uns poucos de nomes gloriosos a quem o Porto deve o seu progresso material. O primeiro na ordem dos factos e na cronologia é o senhor João Coelho de Almeida, criador da barcaça de banhos. O segundo é o senhor Lucas dos Santos, homem videiro que criou os banhos de tina (em 7/3/1854 na Rua de Santo António). A limpeza é a primeira condição de uma terra culta. As estatísticas de ambos os estabelecimentos provam que se lava muita gente. São beneméritos da Pátria todos os que fomentam a limpeza, perfeitas inteligências de sabonete”. O Dr. Artur de Magalhães Basto em O Porto do Romantismo, escreve: “Tem camarotes de um lado e de outro, sendo destinados uns a homens e outros a mulheres. Dentro havia retretes e lojas de bebidas. Cada camarote fecha sobre si, comportando 2 ou 3 pessoas que podem tomar banho sentadas ou a pé, sem receio de serem vistas de fora” – Os preços eram de 50, 60 e 80 reis cada banho. Quem fosse tomar banho tinha passagem gratuita para a barcaça". 
Num artigo em O Tripeiro Série V, Ano V assinado por António Augusto Pires de Lima é referido que “há uma vaga tradição, de que no séc. VI havia um balneário no Porto. Conta-nos o Bispo D. Rodrigo da Cunha que Teodomiro e seu filho Ariamiro… vieram para tomar banhos dos que afirma a tradição que houve nesta cidade do Porto junto do Rio Douro, de que ainda se conserva memória na parte e rua chamada dos Banhos, e dentro de algumas casas vestígios dos tanques em que se tomava. No séc. XIV.… houve um acordo entre D. Vasco o cabido e a cidade, para construção duns banhos bons com suas casas e caldeiras. Creio tratar-se de um novo balneário, pois a própria referência a esses banhos bons com caldeiras faz admitir outros em condições menos satisfatórias e sem aquecimento de águas”. Assim se prova que no Porto existiram desde tempos imemoriais destas “inteligências de sabonete”.


Lê-se ainda no referido Tripeiro: “Está aberto este estabelecimento todos os dias, de verão, desde as 5 horas da manhã até às nove da noite, e no Inverno, desde as oito da manhã até às seis da tarde. Aos Domingos fecha-se ao meio dia.
Por um banho de tina, da água doce 160 reis
Por assinatura ( 12 banhos) 1$680 reis
Um banho sulfúrio (cada) 300 reis
Um banho de vapor 600 reis
Um banho de chuva 120 reis
Assinatura (12 banhos) 960 reis
Um banho de água do mar 300 reis
Em todo o tempo se pode ir tomar banhos de água doce, de chuva, de águas termais e de vapor. Os de água de mar só principiam no primeiro de Agosto e acabam em 31 de Outubro.” Aberta em 1866, esta casa recebia água do manancial de Camões conduzida por mina construída propositadamente. Foi fechada em 27/9/1909".


Não há muitos anos um nosso amigo, pessoa importante na Câmara do Porto, nos contou que, morando na Rua da Bandeirinha, ia, em jovem, ao Balneário do Largo do Viriato tomar o seu banho, pois não tinha, em casa, quarto de banho. 
Não admira que a população vivesse muito suja pois, as ruas eram autênticas lixeiras e estrumeiras.


Carro varredor – 1923

A cidade do Porto, tal como as outras deste país, tinha as suas ruas normalmente muito sujas, onde eram deitados os lixos e dejectos dos moradores. Se alguém pretendia deitar águas sujas pelas janelas, depois das 9 de noite no Inverno, e das 11 no Verão, bastava-lhe avisar altos brados, 3 vezes, “Água vai!” e quem estivesse a passar teria de correr. Por estas ruas passavam galinhas, porcos e cães em grande profusão. Destes animais ainda os porcos eram os menos porcos, pois comiam toda a sujidade que encontravam.


E não esqueçamos que, diariamente, circulavam centenas de cavalgaduras e bois que também deixavam os seus rastos. Durante o dia passavam lavradores que limpavam os estercos e recolhiam os dejectos das casas que depois usavam para estrume. Posteriormente foram proibidos de trabalhar de dia; só depois das 11 da noite. Mesmo assim eram insuficientes para manter a cidade limpa, muito embora tanto a câmara como as leis reais lutassem pela melhoria da higiene. Em 5/11/1519 as vereações decretaram uma multa de 26 reis para quem atirasse para a rua qualquer sujidade sólida ou líquida. D. Manuel I já tinha proibido a permanência de porcos na via pública, quer de dia quer de noite, a multa era de 500 reis. 
Em 1613 foram marcados locais para estrumeira, mas era mais cómodo deitar o lixo à porta…
Mas, o povo era o mesmo de hoje pelo que estas leis eram esquecidas...


Artur de Magalhães Basto conta, no seu livro “O Porto do Romantismo” que: “Sucedendo varrer-se um destes dias a Rua das Flores, o povo contemplou isto como preparativo para grandes acontecimentos e correu àqueles sítios, como se ali andassem desentulhando as ruínas de alguns monumentos admiráveis… Enfim, tudo era assombro, tudo perguntas, tudo interpretações, maiormente entre crescido magote de farroupilhas, que, por ser o maior volume, era o mais fértil em disparates. P’ra que será? P’ra que será? Alvitravam-se mil hipóteses, e afinal verificou-se que se varria a rua… para não andarmos cobertos de esterco”.




Carros de recolha de lixo da C. M. P. – estes carros eram recolhidos na Rua de S. Diniz, onde já existiu o matadouro e o canil.  Foto Alvão

De O Tripeiro de 10/6/1909 resumimos um interessante artigo: “Vereações passadas dotaram a cidade com duas corporações: a dos “Varredores Municipais”, à qual o povo pôs o nome de “escrivães de pena grande”, por motivo do enorme cabo de vassoura, que é a pena com que parece escreverem nas pedras das calçadas, quando exercem a sua profissão, e a dos “Regadores Municipais” que, durante as horas de maior calor, regam as ruas com as mangueiras adaptadas às bocas de incêndio encravadas nos passeios… Os varredores em vez de varrerem o lixo das ruas, do lado dos prédios para o centro da rua, fazem o contrário, de sorte que a poeira que levantam introduz-se por baixo das portas, pelas janelas e por qualquer abertura que encontre e vai depositar-se placidamente sobre toda a parte que pode, de sorte que pela manhã encontra-se tudo pulverizado por um pó finíssimo. E querem saber a razão porque estes tais “escrivães da pena grande” procedem assim? É para comodidade do seus colegas. Fazem pequenos montes junto das paredes e o colega vem apanhar para o carro de mão com uma pá de ferro".
A rega das ruas deveria ser feita de madrugada. Mas quando é feita? Durante as horas de maior calor, quando as pedras estão a escaldar, de sorte que esta se evapora num pronto. O transeunte tem de parar para não ficar com os pés alagados e as calças salpicadas de lama, ou tem de mudar de rumo.

Também lembramos a quem compete que é menos decente e nada higiénico, o depósito que está em exposição à frente da Torre dos Clérigo, do lixo que vem do Mercado do Anjo, composto de frutas podres, hortaliças velhas, e quanta imundície a vassoura municipal pode apanhar, exalando durante horas um fétido pestilento e uma vista asquerosa, até que venha o carro de condução para levar aqueles adubos para lugar apropriado.”


No último quartel do séc. XIX, e possivelmente ainda muito antes, era frequente verem-se, de noite, muitas pessoas de cócoras, munidas de uma pequena lâmina de ferro a raspar o chão recolhendo as minhocas que encontravam e que serviam de engodo para colocar nos anzóis de pesca. Eram pescadores à cana profissionais que trabalhavam desde os Guindais até à Foz, de um e outro lado do rio. Os dias mais húmidos eram os preferidos pela quantidade que encontravam. Traziam um lampião de azeite ou óleo e um púcaro de barro preso por um barbante onde deitavam o seu tesouro.


Calçada da Natividade, hoje Rua dos Clérigos

Desde as Fontaínhas até à Praça Duque de Beja (Carregal), passando pelas Ruas dos Clérigos, Carmelitas, de S. Filipe de Néri, Ferros Velhos, Carmo, Largo de Santa Teresa, Praça de Carlos Alberto, Cordoaria etc. labutavam várias horas seguidas.
Perguntámo-nos porque razão estes pescadores tinham necessidade de subir tanto na cidade. Ou a colheita nas ruas perto do rio era tão intensa que esgotavam as minhocas ou das Ruas das Flores e Mouzinho da Silveira para baixo eram empedradas, inclusive as que davam para a Ribeira, pelo que não teriam terra suficiente para elas proliferarem.


Verifica-se ainda que, já nos fins do séc. XIX, o estado das nossas ruas era deplorável. Em que estado os sapatos e botas dos nossos avós chegariam a suas casas! Era muito comum verem-se, junto à porta das casas, uns raspadores de lama. 

terça-feira, 25 de junho de 2013

CARÁCTER, GÉNIO E COSTUMES DOS PORTUENSES - II

3.2 - Carácter, Génio e Costumes dos Portuenses


Café Brasil, no gaveto das Ruas de 31 de Janeiro e da Madeira – fundado em 1859

Desde o séc. XIX os portuenses criaram o hábito de frequentar os botequins passando o tempo em amenas conversas (por vezes menos amenas) em que os assuntos mais discutidos eram a política, as novidades do dia, a beleza feminina etc. Passavam horas a jogar cartas, damas, dominó, quino e outros jogos. Inicialmente eram só os homens que frequentavam estes lugares porém, mais tarde também as senhoras começaram a lá conviver, embora de início isso fosse mal visto por certas camadas sociais e pessoas mais recatadas. Em capítulo próprio trataremos com mais pormenor este assunto.


Em O Tripeiro da Série III, de 15/10/1927, encontrámos um interessantíssimo testemunho de João Pimentel sobre a sua frequencia diária no Café Lisbonense, no final do séc. XIX : “Já vai perdido na recordação dos dias distantes o velho café Lisbonense que eu e outros meus companheiros frequentávamos todas as noites. O Café Lisbonense ficava na Rua do Bonjardim, do lado direito (no troço que hoje é Rua de Sá da Bandeira, entre a Rua de 31 de Janeiro e Sampaio Bruno). Um bom salão, que se dividia em dois, sendo o da frente para a especialidade do café com as suas mesas de mármore e cadeiras para os seus velhos frequentadores. Atraía uma frequência numerosa e distinta, do meio intelectual do Porto. Numa das primeiras mesas do lado esquerdo era a nossa. Depois das 8 horas vinham chegando um por um. A nossa despesa diária era baratinha: uma chávena de café para cada um, a 30 reis por cabeça; bebidas brancas nenhumas. Nesta mesa havia alegria, mocidade e vida! Discutia-se tudo, nada ficava para a noite seguinte. O Lisbonense nessa época tinha boa música; um terceto completo de verdadeiros mestres. Os concertos do Café Lisbonense marcaram pelo sucesso de Arte que eles faziam todas as noites durante o Inverno. No salão de trás ficavam os bilhares, também com a sua numerosa clientela. Quando o D. Francisco da Prelada jogava com o seu filho o número de espectadores crescia extraordinariamente para os ver jogar!” 


Este fidalgo era D. Francisco de Noronha e Menezes, proprietário da Quinta da Prelada, uma das maiores e mais afamadas da cidade. Ele e seu filho eram exímios jogadores de bilhar e espalhavam esta sua arte em vários botequins da cidade, que atraía muito público masculino. O seu filho faleceu aos 25 anos em resultado de uma tuberculose. D. Francisco pouco lhe sobreviveu. Não havendo qualquer outra descendência deixou à S.C.M. do Porto a sua quinta com o desejo de aí ser construído um hospital para convalescentes. Faleceu em 1904.



Confeitaria Serrana – Rua do Loureiro – tecto de Acácio Lino 




Dos anos 40 a 70 do séc. passado era nestas confeitarias que se reuniam, à tarde, as "madames" da alta roda portuense. Tinham feito as suas compras e, aí, iam desenferrujar a sua "má" língua. Eram muito "caritativas" pelo que de vez em quando organizavam os "chás de caridade" contra os quais o Padre Américo tanto desancou.


Reconstituição da Farmácia Estácio 

A Farmácia Estácio, situada na Rua Sá da Bandeira deve o seu nome a Emílio Faria Estácio (1854-1919), farmacêutico da Universidade de Coimbra.
Nos armários da farmácia, estão representados os bustos de ilustres farmacêuticos e químicos, que ocuparam cargos de destaque nas instituições do Porto, no início do século XX. No final dos anos 40, surgem anúncios à balança falante da Farmácia Estácio, tornando-se um ícone da baixa portuense dessa época, chegando mesmo a formarem-se filas à sua porta a fim de se pesarem. O cliente subia para a balança e o seu peso era-lhe transmitido por uma funcionária “escondida” no piso inferior. Nos anos 70, a afluência era de tal ordem que existia uma funcionária destacada unicamente para este serviço. Em 1975, um fogo de grandes proporções na Rua Sá da Bandeira, atingiu a Farmácia Estácio e destruiu grande parte do seu interior, incluindo a célebre balança.


Rua dos Clérigos - anos 50/60


Espelho da Moda e Rua dos Clérigos engalanada no Natal - a nova fachada foi inaugurada em 8/12/1945 - projecto e decoração do Arquitecto Amoroso Lopes.

O comerciante do Porto era muito cioso da sua reputação na “praça” e na continuidade do seu negócio. Por vezes os pais não autorizavam os filhos a ir estudar para Coimbra com receio que seguissem outra profissão e a sua casa não tivesse continuidade. E, por vezes, aqueles que tiravam uma formatura, regressavam ao estabelecimento do pai. Pelo menos um dos filhos deveria manter a tradição da família.



O “Pasmatório dos Loios ou Real Clube dos Encostados” – era assim chamado o passeio em frente ao Palácio das Cardosas onde, ao fim da tarde e não só, se juntavam os artistas, poetas, escritores, enfim a intelectualidade da cidade, conversando e discutindo os assuntos mais variados.


Em 26/9/1897 começou a ser usado nesta cidade o encerramento das lojas ao Domingo. Houve porém, como seria esperável, uma grande oposição dos patrões, pois era para eles um grave prejuízo. Vários anos demorou a ser observado este costume.  Recordámo-nos de ouvir contar que os caixeiros tinham permissão de sair, ao Domingo, até às 11 h. da manhã para poderem assistir à Missa Dominical. Mas, nesse tempo, os Sábados e os Domingos eram, com a terça-feira, os dias em que mais negócio se fazia. Terças e sábados por serem, tradicionalmente, os dias das feiras mais importantes que traziam à cidade muitos milhares de visitantes.


Ribeira – comércio local – Foto Beleza


Comércio internacional - Foto Beleza


Murillo – cerca de 1670


Em O Tripeiro, Série V, Ano X encontramos uma interessante descrição, de autoria de Amadeu Cunha, sobre costumes da juventude dos princípios do séc. XX: “Extensa, estreita, a subir até ao campo, algumas vezes a rua (do Almada) fora aproveitada para “feeries” de luminárias sanjoaninas. Janelava-se bastante ao longo dela, em matéria de namorio. Era a época do pigarro e do lenço branco passado pelas vias respiratórias como senhas de enamoramento… Até à Picaria era toda colmeia activa. Daí para cima a residêncialidade desacompanhava-se de lojas, pouso de famílias ditas de tratamento… Naquele curto espaço de rua esses ádvenas, ao maior número dos quais mal pungia o buço, suscitaram estranheza, desconfiança… Tratava-se desinquietar as meninas do sítio, em idade de namorar. Habitualmente às tardes, após o jantar, aquelas varandas engraçavam-se da animação delas, que espaireciam, se distraíam, metiam a riso, segregando uma às outras, para os lados. Posto que a rua, rebarbativamente burguesa, andasse, por uma variedade de episódios, em efabulações camilianas e até nas próprias realidades biográficas do romancista (Camilo e Ana Plácido habitaram esta rua) todo o desretraímento entre elas e os rapazes se reduzia, unicamente, a simples, risonhos e a recíprocos brincos de expressão amável sem qualquer trejeito a mais”.



Carolina Michaelis de Vasconcelos e seus netos – 1851-1925 – Além de grande investigadora e professora, tinha uma grande paixão pela cozinha.

Alberto Pimentel, no seu livro “O Porto há 30 anos” escreveu, em 1893, sobre a vida da dona de casa: “ As damas portuenses de há 30 anos dedicavam-se em geral, à sua casa e à sua família. Todo o governo doméstico estava nas suas mãos, superentendiam em tudo o que se passava de portas adentro: o seu dia de trabalho começava logo pela manhã e só acabava às Trindades, à hora do lusco-fusco, chamada então do pregar da agulha. Naquele tempo, a culinária francesa não tinha ainda invadido o País. O jantar, como sabemos, era à portuguesa antiga. Mas, conquanto todos os dias fossem servidos os mesmos pratos, a dona da casa não deixava de dar uma volta pela cozinha para ter a certeza de que a cozinheira estava cumprindo os seus deveres. 
Quando o dono da casa chegava para jantar, era à esposa, e não a qualquer outra pessoa, que ele fazia esta pergunta do estilo : 
- O jantar está pronto, menina?
E a dona da casa achava-se sempre habilitada a responder imediatamente:
-Está.
Porque a verdade é que o mesmo jantar estava invariavelmente feito à mesma hora, com uma pontualidade que parecia marcada por um cronómetro. 
Era a dona da casa que dava ao rol a roupa suja, quando a lavadeira chegava, ordinariamente à mesma hora. 
Era ela que talhava, cosia e consertava a roupa branca do marido e dos pequenos. Todas as peúgas que eles calçavam eram feitas por ela. Fazer meia era uma obrigação e uma distracção até. Mas, ordinariamente, a boa dona de casa costurava durante o dia, e reservava a meia para o serão. O breve descanso entre o dia e a noite, a hora do pregar da agulha, era consagrado, muitas vezes, à oração, que principiava pelas 3 Avé Marias do Angelus. As meninas da casa, se as havia, aproveitavam a pequena folga do crepúsculo para ir à janela ver passar o namoro, que as cumprimentava muito respeitosamente e não se atrevia a olhar para trás senão à esquina da rua. 
Que santa tranquilidade patriarcal a desse tempo!” 



“ Há cinco dezenas de anos (1900) rara era a família portuense rica ou remediada, que não desse suas roupas a lavar às lavadeiras de Águas Santas, Barreiros, S. Mamede Infesta, Maia e Rio Tinto; porque por dez reis cada peça não valia a pena lava-las em casa. Além disso, nesses distantes tempos, nem todos os prédios possuíam água encanada da companhia; logo, portanto, as donas de casa acertavam melhor entregando as roupas às lavadeiras, que as traziam sempre com pontualidade e a cheirar a frescor. E então dava gosto vê-las, aos sábados principalmente, donairosas, entrecortarem as ruas do burgo carregadas com pesadas trouxas de roupa à cabeça, a caminho das residências das impertinentes freguesas, onde a demora não podia ser evitada por terem de dar a roupa ao rol. Uma rodilha, um farrapo, tudo estava apontado” O Tripeiro Série V, Ano VI.


Azeiteiro do Porto


de Aveiro

O azeite era vendido no Porto pelos azeiteiros, tanto pelos do Porto como os vindos de Aveiro e até de Coimbra. Usavam uma corneta para chamar a atenção dos moradores. Vendiam também óleo, vinagre e petróleo.


O amola tesouras e navalhas passava de tempos a tempos tocando uma flauta de pan que, o que não raramente, emitia uma linda melodia. Compunha guarda-chuvas, punha solda nas panelas, “gatos” nas porcelanas partidas e fazia outras utilidades que muito contentavam os portuenses.


Os engraxadores estavam espalhados pela cidade, em especial nas zonas de maior movimento e prestavam um bom serviço. Nessa altura era chic trazer sempre os sapatos ou botas de couro muito bem limpos. Por mais que nos esforçássemos nunca conseguíamos, em casa, pô-los tão brilhantes. Mas a C. M. Porto mandou-os retirar das ruas pelo que só os encontrávamos nas entradas das casas ou cafés. Hoje estão praticamente extintos.
“O Migalhas” foi um engraxador dos princípios do séc. XX que tinha condecorações por ter salvado  mais de cem pessoas de se afogarem no rio e no mar, em alguns casos, com o risco da própria vida.

domingo, 23 de junho de 2013

CARÁCTER, GÉNIO E COSTUMES DOS PORTUENSES - I

3.2 - Carácter, génio e costumes dos portuenses


PROFISSÕES


Alexandre Herculano em “Cenas de um ano da minha vida” escreveu: 
“Entre as cidades do Minho, pertence a primazia ao Porto, não só pela superioridade da sua população, mas por muitas outras circunstâncias que a tornam talvez a mais notável do nosso Portugal. Berço da monarquia lhe podemos chamar; porque dela Portugal tira o nome, e parece que aí, como fonte da existência nacional, se tem conservado perene a seve e vigor do carácter português. Independência de ânimo, valor militar em subido grau, espírito dado às navegações e ao comércio, enfim, os principais dotes dos nosso avós são ainda hoje as feições características do povo portuense.” Alexandre Herculano, alguém muito exigente, sabe a que se refere, pois viveu no Porto. 
Em 1759, o inglês James Murphy diz que: “… cheios de deferências para com os estrangeiros, são muito polidos entre eles. Esta delicadeza tem mesmo lugar por parte da classe mais rica em relação à mais modesta”. 




Freguesia da Sé - 1780/1785 – Estudo de Cândido dos Santos – Não incluímos os profissionais das outras freguesias pois seria demasiado enfadonho. Porém, com esta amostragem ficamos a saber a variedade de profissões que havia no Porto.


Rua de Sá da Bandeira

O portuense, já há muitos séculos, se dedica ao “comércio de porta aberta”. Em muitas das ruas do Porto se vendiam, pelo menos até meados do séc. XX, todos os tipos de artigos. 


Muitas delas vendiam produtos ali mesmo fabricados, diante do público, tais como os caldeireiros, na Rua do mesmo nome.Outros tinham a família a trabalhar nos andares superiores e vendiam-nos na loja. 



Rua da Ferraria de Baixo, hoje do Comércio do Porto


idem

Havia ruas em que predominavam as lojas dos mesmos produtos. Em várias delas o seu nome era definido pela profissão dominante, tais como a Rua da Ferraria de Cima (hoje dos Caldeireiros), …de Baixo (hoje do Comércio do Porto), Rua da Baínharia, Rua dos Pelames, etc… Um exemplo anterior ao séc. XVII foi a Rua da Ourivesaria onde se concentravam os artesãos e comerciantes de ouro.


Ourivesaria Aliança

Horácio Marçal informa-nos que “ muitos anos antes de desaparecer a antiga Rua da Ourivesaria, já os comerciantes e industriais do artigo que lhe deu o nome, tinham transferido, pouco a pouco, as suas loja e oficinas para a Rua das Flores por ser local mais adequado ao ramo de negócio que exploravam”. Também os tanoeiros, que incomodavam os vizinhos com o seu barulho, viram ser-lhes oferecido pela câmara, em 1515, um bairro próprio que se chamou da Tanoaria. 


Outras mais tardias mantinham as lojas de especialidade, embora não tomassem o nome dos produtos, tal como a Rua do Almada, onde se concentravam as lojas de ferragens.


à Noiva - quatro frontarias através dos tempos  


Uma das casas mais requintadas do Porto no séc. XX. Do nosso grande amigo Augusto Basto, depois do seu filho Rui, expunha as mais belas louças e cristais do Porto.


Mercearia fina e bem sortida.


Casa Cerdeira – atendimento personalizado



idem - interior


Cleriporto – azulejo com tema do Douro


idem - clarabóia



Rua das Flores


Nas ruas das Flores e de Mouzinho da Silveira houve muitas lojas, em grande parte de venda por junto e ao público, de tecidos, vestuário, malhas e miudezas.


Livraria Académica


Livraria Latina



Livraria Chaminé da Mota – interior – blog Retratos de Viagens 


idem - caixa de música


idem - caixa de música - séc. XIX