domingo, 23 de fevereiro de 2014

VIVERES QUE ANUALMENTE SE GASTAM NA CIDADE - II

3.7 – Consumo de vinhos e carnes



Na região do Douro Litoral a pipa tinha, nos anos 50, 525 litros, isto é, tal como afirma ARC, 21 almudes. Porém no Douro tinha 550 litros.


No tempo de D. Sebastião este meio almude tinha a capacidade de 8,7 litros


No Porto o almude tem a capacidade de 25 litros

"O almude é uma unidade de medida de capacidade para líquidos, especialmente para vinho, que variava de região para região. Deriva do árabe al-mudd e aparece na documentação portuguesa desde a primeira metade do século XI. Tal como nas regiões ibéricas sob domínio árabe, a sua capacidade tinha no noroeste cristão e nesta época um valor próximo de 0,7 litros. No sistema do Condado Portucalense, o almude equivalia a 2 alqueires (cerca de 6,7 litros). No sistema introduzido por D. Afonso Henriques e utilizado quase até ao fim da primeira dinastia, parece que o almude equivalia ao alqueire desse sistema (8,7 litros). No sistema introduzido por D. Pedro I, o almude equivalia novamente a 2 alqueires (cerca de 19,7 litros). No sistema de Lisboa, adaptado e generalizado a todo o reino por D. Manuel I, o almude equivalia a cerca de 16,8 litros.
Na época moderna, o almude oficial era pois de 16,8 litros, no entanto, em diferentes regiões de Portugal, usavam-se almudes que podiam atingir o equivalente a dois alqueires. Além disso, podiam existir almudes diferentes para diferentes líquidos". Wikipédia.
No Norte de Portugal o almude tem a capacidade de 25 litros.




Tabernas populares

Seria impossível tratar do consumo de vinho na nossa cidade sem fazer qualquer referência à revolta dos taberneiros. Fá-lo-emos em local próprio.



Em meados do séc. XIX realizava-se a feira do gado no Campo 24 de Agosto. 


Bois ramaldeiros


No Campo 24 de Agosto, “Quase na parte extrema do Norte havia uma fonte que o povo denominava de “Mija-Velhas”, fonte para a qual se descia por alguns degraus, e nesse plano, talvez dois metros ou menos ainda, abaixo da superfície do campo...



havia compridos tanques de pedra lavrada, com as devidas divisões, onde a água se detinha e se tresvasava conforme o serviço da lavagem requeria;


e, ali, ranchos de lavadeiras se entregavam à faina do seu trabalho, cantando ao desafio e fazendo com que os transeuntes, por vezes parando junto do parapeito superior, se entretivessem a gozar aquele passatempo. 
A água da fonte via-se afluir brotando em límpidos borbulhos á superfície da cavidade da terra ali formada.


Fonte das Fontaínhas no séc. XIX - foto Domingos Alvão

Era tão boa que esta e a das Fontaínhas, aqui perto também, eram as águas mais apreciadas daqueles tempos.


Árvores de uma grossura enorme, cuja ramagem, nos dias calmosos de verão produziam uma agradável sombra, rodeavam, cá em cima, os tanques que, lá em baixo, davam trabalho às lavadeiras. Eram alamos e choupos de tal pujança que deviam ter alguns séculos de existência. Apenas lá existe uma como para memória.
O campo da feira do gado era todo orlado dessas agigantadas árvores ; tinha muitos bancos de pedra para comodidade do publico; tinha pelas extremidades do recinto, renques ou alas de piões, que de espaço em espaço eram aformosadas com alguns mais vistosos. 


O solo era tão fundo que hoje, a sua depressão se acentuava mais do lado do poente e ao chegar a alinhar com a Rua do Bonfim em frente a Palácio do Cyrne, havia uma ponte com arcos de pedra, por baixo dos quais passavam as águas, que encanadas em parte, com certo ruído lá iam por debaixo da rua e em largo aqueduto, desaguar nos campos do fidalgo. Tinha a ponte para o lado da feira um bem lavrado parapeito e junto dele alguns bancos de pedra, onde por noites serenas os industriais do Bonfim vinham gosar a fresca viração que ali corria, e ouvir, além do canto das aves, o coachar das rãs que em baixo e aos pinchos nas águas se divertiam. E certamente em tempos passados até patos por ali andavam, e esse facto concerteza é que originou o dizer-se Poço das Patas. 


Está-se em pleno Verão. Pelas entradas do Campo, principalmente pela do Bonfim, chegam grupos de lavradores conduzindo o gado, que por causa das ferroadas das moscas vem todo enramado pelo pescoço com ramos da carvalho; ali em diversos pontos, estão representados todos os tipos de gado bovino, desde os bois ramaldeiros...


...até à famosa raça barrosã. Touros, vacas, novilhos e bois, tudo se acha como numa parada, à espera de comprador que os faça mudar de dono. 
E lavradores de todas as aldeias suburbanas da cidade se encontram ali: eles são de S. Cosme, de Paranhos, da Rio Tinto, de toda a parte. Tudo se move, tudo se agita, tudo questiona nesses grupos; e quando marralham teimosos sobre os preços, dois deles...


Cruzado D. João V

…chega-se um terceiro e para acomodar a resistência deles, brada-lhes: “Olá amigos, vamos acabar de vez com essa teima; nem tanto ao mar nem tanto à terra; parta-se a dúvida ao meio. A diferença está em duas moedas e um quarto d’oiro; pois bem, deixemo-nos de cantigas, fique numa moeda e um cruzado novo e uma de seis; está dito, arrumou-se!” Por fim lá vão ao vinho da companhia pagando a “cabrita”, ou a uma tasca onde bamboleia a tabuleta de chumbo à esquina da Rua de Sacais, ou à Travessa dos Frades ao Padrão das Almas.


Entretanto as mocetonas vão passando o tempo a conversar com os seus namorados, mas sempre versejando. Reparemos neste par que nos fica ao lado direito; ele em todo o vigor da juventude mostra ser um valentão; encostado ao seu forte marmeleiro, niza de pano azul com botões metálicos aos ombros, chapéu inclinado ao lado, suíças em forma de foice, camisa tufada no peito e no pescoço apertada por botão d’oiro, bem calçado, revendo-se-lhe a saúde por todos os poros, constitui o “specimen” dos moços fortes daquele tempo. 
Ela trajando à moda da época, é realmente uma formosa lavradeira, que com suas graças prende, talvez sem querer o coração daquele que lhe fala. 
Calça chinela de verniz, meias alvas de linho, saia de pano com tomados, descendo da cinta em pregas miudinhas; colete de veludo carmesim. Na frente, no peito abroxado com atacadores oprimindo os fartos seios, sobre os quais atravessava um vistoso lenço com frocos, e que ainda assim deixava a descoberto, de cada lado, uma nesga por onde a protuberância dos peitos se descobria velada pela alvura da camisa. Nas orelhas grandes arrecadas, e ao pescoço grossos cordões d’oiro, eram indício de ser pessoa abastada.” In O Tripeiro, Volume nº. 2 de 20/8/1909.


Feira de gado na Corujeira, que reunia as feiras de S. Lázaro e do Poço das Patas. – Foto Aurélio Paz dos Reis – 1896

“No dia 2 de Janeiro de 1900 festeja-se o 9º. Aniversário da feira da Corujeira com grande concorrência, entusiasmo e correlativas alegrias populares. Na feira do gado, a que concorrem quase todos os criadores nortenhos, tem as honras do dia um ilustre cevado – por acaso muito lavadinho – com 560 quilos de peso. Um elefante a que só faltava a tromba.” O Tripeiro, Série V, Ano V. 


Vendedor de porcos na feira dos moços – 1913

“Um Porto velho, pacato e até com muito regionalismo e assim se identificava com a constante chegada de pessoas vinda dos arrabaldes e da terras do Douro que à cidade se deslocavam para vender uns presuntos; uns enchidos de carne de porco; uns ovos e uns cestos de frutas...


… para depois com o produto da venda comprarem umas miudezas nos armazéns do Largo dos Loios, umas mercearias nas lojas da Mouzinho; ou uma fatiota nos prontos a vestir da rua dos Clérigos para vestir e melhorar a roupagem do filho, com um fato domingueiro, do moço “espigadote” ou um xaile de “merino” para a moça casadoira. Mas além do xaile para a rapariga, porque não? Se na bolsa fechada e apertada com um atilho e, bem segura nas mãos se ainda houvesse uns “dinheiritos” para umas arrecadas ou uns brincos nos ourives da Rua das Flores para a rapariga ou, ainda uma corrente de oiro para o rapaz prender o relógio no bolso do colete.”


“Matança do Porco” – iluminura do Livro de Horas de D. Manuel I – séc. XVI



“A matança era uma das mais significativas festas de família, o que se compreende na medida em que a carne de porco e a batata eram a base essencial da alimentação e a auto-suficiência permitia viver sem excessivo recurso ao exterior. A carne era racionada de modo a durar todo o ano, até à próxima matança, os untos e pingos constituem uma preciosa reserva que substituía o azeite, pois a miséria podia ressonar à porta de gente boa e trabalhadeira. A matança tinha lugar no Inverno, altura em a temperatura fria permitia a sua conservação. O dia da matança, para além dum específico e intenso cerimonial ritualizado, era um autêntico dia de festa, mais um pretexto de comezaina, num ambiente de folia e de aproximação ritual da família e da comunidade. No dia seguinte, naquelas manhãs frias e mutáveis do calendário, tem lugar a desmancha da carcaça, quase sempre 24 horas depois do porco morto, as carnes repartidas e salgadas, e depois postas ao fumo. Fazem-se os chouriços e demais fumeiros, aproveitando as tripas previamente bem lavadas e cortadas em tamanhos convencionais. As chouriças são postas por cima da lareira em paus delgados, e são curados durante 3 ou 4 semanas, com uma cura condigna com a qualidade desejada.” Blog Escavar em Ruínas


Os primeiros açougues do Porto encontravam-se perto da Torre Medieval na Rua Pedro Pitões, em frente da Sé. Foram demolidos em 1851 para aproveitar a pedra para outras obras públicas, pois a casa só tinha paredes
Antes de passar para a Corujeira, o matadouro municipal era, até aos anos 30 do séc. passado, na Rua de S. Dinis, onde depois esteve instalado o canil. 
“Por volta de 1910, sentindo-se necessidade de substituir o insuficiente e velho matadouro de S. Dinis, é aprovado o projecto de construção de um novo matadouro municipal na cidade do Porto. 
Na escolha do local atendeu-se a vários requisitos; de facto, embora perto do centro da cidade, a Corujeira era então um local povoado e para onde a cidade não tendia a estender-se. Possuía, além disso, captação de água própria e abundante, escoava os líquidos residuais com facilidade e permitia a futura ampliação.
Acrescentem-se a tudo isto as vantagens da existência do caminho-de-ferro no extremo NE e da rede viária.
Concluídas as expropriações, imediatamente se iniciaram as primeiras obras de edificação; apesar disso o processo foi lento e complexo; de tal modo que só em 1923 é que as operações de abate foram transferidas para o novo matadouro, então concluído.
O apetrechamento mecânico fornecido pela casa Beck & Henkel, de Cassel foi introduzido em 1930.
Finalmente, em Julho de 1932, efectua-se a inauguração oficial.
O matadouro do género Offenbach, tipo de instalação em superfície também conhecida por sistema alemão, ocupa uma área total de 30 000 m2 e todas as suas dependências foram concebidas para que as diferentes operações se sucedessem de uma forma metódica e progressiva.
Servindo no total mais de um milhão de pessoas, a sua capacidade de abate englobando os diversos tipos de gado, situa-se entre as 12 e as 13 000 toneladas ano".


Conduzindo o rebanho – óleo de Silva Porto – 1850-1893


Galinheira do Porto - litografia aguarelada de João Palhares

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