quinta-feira, 29 de janeiro de 2015

CONVENTOS DE RELIGIOSAS - IX

3.12.15 – Convento da Madre de Deus de Monchique - I




O Convento de Monchique na margem direita do Douro entre Miragaia e Massarelos. O nome Monchique deriva de ”monte-chico”, monte pequeno. Existiu lá uma pequena judiaria. 


Belíssima foto do Convento em 1860 – á direita vê-se o início da construção da Alfandega Nova, ainda nos alicerces. O Palácio de Cristal só foi inaugurado em 1865, pelo que não aparece.


O convento em 1862 - a construção da Alfândega já está avançada e já se vê, em cima, a Capela de Carlos Alberto, mandada construir, pela princesa de Montléart em homenagem ao seu irmão o rei Carlos Alberto da Sardenha, (Paris, 2 de Outubro de 1798 — Porto, 28 de Julho de 1849).
A primeira pedra foi lançada em 17/5/1854 e a primeira missa celebrada em 25/12/1861.
Foi obra do pedreiro António Lopes Ferreira, sob risco italiano.
A princesa de Montléart doou-a ao rei D. Luis I em 13/3/1863. D. Amélia cedeu-a à C. M. do Porto em 22/12/1950.


O convento e o Palácio de Cristal depois de 1865.

O nosso saudoso amigo Sr. Fernando Moreira da Silva escreveu, no Boletim dos Amigos do Porto, um excelente artigo sobre o Convento da Madre de Deus de Monchique: “Pêro da Cunha Coutinho foi casado com D. Brites de Vilhena. Deste casamento não houve filhos e por isso os dois esposos decidiram, num acto de piedade, devotar sua casa e todos os seus bens, onde se incluía o Senhorio da Maia, para a fundação, nesse preciso lugar, de um convento para religiosas, que adoptaria a observância Franciscana e se chamaria CONVENTO DA MADRE DE DEUS DE MONCHIQUE. Nesse sentido se dirigiram ao Papa, e corria o ano de 1535 quando chegou a Bula de Paulo III, que autorizava a fundação do Convento. Pêro da Cunha Coutinho já havia falecido no ano de 1533, pelo que coube inteiramente a sua esposa toda a honra da fundação. Seguido a todo o conjunto conventual, ficava a casa dos capelães e hospedaria aonde se recolhiam as famílias das religiosas, quando se deslocavam a esta Cidade para as visitar. É nesta casa que hoje se encontra aquartelada a Guarda Fiscal e nela se pode admirar, no alto da sua fachada, o brasão do convento. Tinha este Convento, como todos, a sua Igreja. Só que esta era, a par das suas congéneres também Franciscanas, de Santa Clara e de S. Francisco, considerada como jóia muito bela, talvez por ser de menor dimensão e assim mais sobressaírem os ornamentos de que se encontrava recheada… Contém sete altares de um carácter riquíssimo pelo imenso lavor de talha, ornatos, relevos e figuras que apresenta, sendo quase tudo dourado e o resto pintado e estofado por modos muito variados”.


Santa Clara da Assis

Do Convento de Santa Clara de Coimbra vieram, em 1538, 4 freiras para inaugurar o de Monchique.
A primeira abadessa foi Isabel de Noronha, que na comunidade se chamava soror Isabel da Anunciação.


Entrada e vista lateral da capela – Joaquim Vilanova – 1833. Ao tempo de Agostinho Rebelo da Costa (1788), tinha 70 freiras e mais de 100 serventes.

Pedro Vitorino escreveu “…ora o edifício também não brotara todo de um jacto em obediência a um plano estabelecido e sequentemente executado. Fora aparecendo muito franciscanamente, aos poucos, segundo as circunstâncias, mas não lhe faltavam jardins, pomares e fontes, bem como “” claustras mui singulares”” cada uma com seu chafariz, para bom aprazimento das senhoras recoletas.”


O mesmo local em foto de princípios do séc. XX


Frontão da porta da capela. Restam as armas papais e as figuras do que se supõe serem Adão e Eva.


Resposta dada ao Ministério da Guerra por João Baptista Ribeiro, em 1839, quando aquele lhe perguntou se a capela tinha algum interesse artístico. Esta capela foi, além de outras coisas, o depósito da pólvora.



Quando o convento foi comprado para o comércio e indústria alguém pretendeu desfazer-se dos altares e da talha por venda ou mesmo queima-los. Um solicitador do Porto, tendo tomado conhecimento, fez saber ao Conde de S. Mamede, Rodrigo Pereira Felício, que vivia no Brasil e estava pagando a construção da igreja da sua terra, S. Mamede Infesta, do que se passava. Ele terá dado ordem para que fossem comprados os altares e a talha e os colocassem na nova igreja.
Porém, dado o seu pequeno tamanho só lá couberam o Altar-Mor e 4 altares. 
Além do que está em Miragaia, o sétimo ardeu, em 27 de Julho de 1918, no grande incêndio do Hospital Militar D. Pedro V e sua capela.


Altar que está na Igreja de S. Pedro de Miragaia



Está na Igreja de S. Pedro de Miragaia


Igreja de S. Mamede de Infesta


A Capela do Convento de Monchique era mais alta pelo que o Altar-Mor teve de ser cortado em cima.


Pormenor do Altar-Mor


Altar lateral de Nossa Senhora, com sacrário


Sacrário lateral

“Esta igreja é exteriormente de aspecto simples mas agradável. Ao entrar uma onda de luz nos envolve. Tem seis altares, fora o da capela-mor, dois na frente do arco cruzeiro e os outros quatro ao lado, dois a cada parte, ficando no meio os púlpitos. São quatro destes de obra de talha, caprichosamente trabalhada. Toda a talha destes altares, assim como a das cimalhas do arco cruzeiro e portas, a tribuna da capela-mor que é do mesmo gosto de escultura, pertencia à igreja do extinto convento de Monchique”. In Junta de Freguesia


Púlpito

segunda-feira, 26 de janeiro de 2015

CONVENTOS DE RELIGIOSAS- VIII

3.12.14 – Convento da S. Bento de Avé Maria - IV



“Atributo da dignidade abacial, este báculo de prata dourada é um magnífico exemplar de ourivesaria portuguesa. Profusamente decorado, surge como símbolo da importância do seu possuidor e como testemunho da riqueza e poder do convento.
A profusa decoração que se expande por toda a peça inspira-se nos motivos maneiristas das ferroneries e enrolamentos de finais do século XVI. O fragmento que liga o nó à base é ornamentado com cariátides e cartelas enroladas nas quais se aplicaram quartzos e vidros coloridos engastados.
Na face exterior de uma pequena voluta que pende do enrolamento da croça foi aposto um brasão, cuja leitura heráldica tem levantado várias questões não só na identificação do encomendante e doador como também na atribuição correta da data da sua feitura, na ausência de qualquer registo documental. Se para alguns autores, será o brasão das famílias Ataídes e Aguiar, relacionando a peça à abadessa D. Guiomar de Ataíde (1578/1612), outra leitura toma estas como as armas das famílias Ferreira e Azevedo, associando assim esta alfaia à abadessa D. Maria Conceição de Azevedo (1694/97).
No sentido da missão pastoral da abadessa, o Báculo segue todos os requisitos da sua tipologia de bastão, com uma vara dividida em anéis sobrepujada por nó a terminar numa croça em voluta.
A complexa estrutura decorativa que apresenta sugere de base um programa iconográfico doutrinal sintetizado na Anunciação do nascimento de Cristo, na Sua morte redentora, na fundação da própria Igreja e na disseminação da Sua Palavra.
O tema da Anunciação surge no interior da voluta da croça com as figuras em vulto do Arcanjo São Gabriel e da Virgem Maria, encimados no exterior da mesma pela albarrada que conteria as flores simbólicas da virgindade coroada pela pomba do Espírito Santo, numa clara alusão à evocação do orago do Mosteiro de São Bento de Avé Maria.
O nó, de estrutura arquitetural organizada em dois registos, com entablamentos sobrepostos e duas ordens de edículas. No registo superior e em cada uma das edículas surgem figuras de anjos sustentando os emblemas da Paixão de Cristo: a cruz, os pregos, a lança, a escada e o martelo.
Nas edículas do registo inferior são representados São Pedro, São Paulo e os quatro Evangelistas.
A sua apresentação museográfica é complementada com parte de um núcleo de peças provenientes da demolição deste convento para a construção da atual Estação do Caminho de Ferro de São Bento, expostas na zona exterior do Museu, antiga cerca do Palácio dos Carrancas.
Retirado do texto de Maria de Fátima Pimenta, conservadora da coleção de Ourivesaria do Museu Nacional de Soares dos Reis”.


Santa Gertrudes, abadessa beneditina

De três em três anos, quando da eleição das novas abadessas, realizavam-se os chamados Outeiros ou Abadessados para os quais eram convidados familiares e amigos das freiras e internas, figuras da sociedade e poetas famosos desse tempo. Eram uma espécie de serões culturais, que duravam três noites e terminavam altas horas da madrugada. A eles assistiam muitas pessoas e sobressaíam poetas repentistas. Camilo, Guerra Junqueiro, Xavier de Novais, Alberto Pimentel, Guilherme Braga e tantos outros eram costumeiros destas diversões.
“As freiras velhas e as juvenis educandas davam os motes, os doces e os vinhos; os poetas bebiam o vinho, comiam os doces e glosavam os motes; e quanto mais depressa tudo isso faziam, tanto mais eram admirados”. Punham-se luminárias nas janelas e a festa durava três dias e três noites consecutivas. Fora de portas, no pátio, o público aplaudia os poetas e regalava-se com as muitas iguarias que as criadas do mosteiro serviam”. In livro Porto Desaparecido.


O Dr. Artur de Magalhães Basto refere um episódio entre uma freira e o poeta satírico Faustino Xavier de Novais. Aquela lançou o mote:

No açafate da costura
Se escondeu agora amor.

De imediato Faustino responde:

Se eu pudesse em noite escura
Ser por ti agasalhado,
Dormia mesmo enroscado
No açafate da costura;
E se lá dessa clausura
Fora me quisessem pôr, 
Tu dirias: não senhor
Não toquem nesse cestinho
Que lá dentro, encolhidinho,
Se escondeu agora amor.

Entre os vários poetas concorrentes fazia parte um mestre-escola menos feliz nas rimas. Foi-lhe dado o mote e ele retirou-se um pouco para pensar o seu madrigal. Porém, não lhe ocorrendo a versalhada pegou nuns rolos de cera e, acendendo-os, pretendeu escrever a sua resposta. Tanto demorou que começaram as risadinhas e zombarias. Perdendo a paciência o espontâneo Faustino atirou: 

Senhoras, peço e requeiro 
Que se apaguem já os rolos;
Não sejamos todos tolos,
Aliás d’aqui m’esgueiro…
Quem não pode um verso inteiro
Reter na sua memória,
Conte p’raí uma história,
Ou lenda de feiticeira,
Ou diga, então, quanta asneira
Reprimiu c’oa palmatória.


In Livro Porto Desaparecido 

Deste importante abadessado, dá-nos o escritor Firmino Pereira uma viva descrição:




Foi neste convento que se “inventou” o delicioso Toucinho do Céu, que, de tão apetitoso, passou a fazer parte das mesas mais requintadas e ricas da cidade. Também os doces com gemas de ovos eram a sua especialidade pois as freiras usavam as claras para engomarem os seus hábitos. Também ficaram famosos os rebuçados de limão e rosa, “quadradinhos no molde e apetitosos na transparência facetada de topázios orientais”



Construção do túnel D. Carlos I, terminado em 1893. O ramal ligava Campanhã ao local onde esteve o destruído Convento de S. Bento de Avé Maria. Foto Alvão.


Chegada do primeiro comboio à futura estação de S. Bento em Novembro de 1896


Início das obras da Estação de S. Bento – a primeira pedra foi lançada por D. Carlos em 22/10/1900 e as obras começaram em 9/11/1903 - foto Emílio Biel


Anos 20 do século XX


Estação de S. Bento – Foto Beleza - Sobre esta estação trataremos em pormenor num futuro capítulo.



“Relíquias do Convento de S. Bento de Ave-Maria 
No sábado anterior a este, num breve passeio pelo Porto aproveitei para atravessar a ponte D. Luis I e captar uma imagem mais de perto dos arcos que pertenceram ao demolido Convento de S. Bento das Freiras, no local onde está agora a estação de S. Bento.

Contudo ainda não me tinha disposto a coloca-la aqui pois que queria mostrar esta juntamente com uma fotografia antigas em que os arcos se vêm muito bem.

Visitando, como diariamente faço, o facebook do Porto Desaparecido, constato que a foto que queria aproveitar está ai inserta!
Ora bem, pensei eu... facilita-me o trabalho e dá-me o impulso que precisava para colocar então aqui a minha foto para que possam comparar com a do local original daquelas estruturas!

Que pena que tantas outras pedras não tenham tido este fim....” 
In Blogue A Porta Nobre - 2013

quinta-feira, 22 de janeiro de 2015

CONVENTOS DE RELIGIOSAS - VII

3.12.14 – Convento da S. Bento de Avé Maria - III





Destruição da parte Poente e Sul

Em 1834 este convento foi extinto e confiscados todos os seus bens. A última Abadessa deste convento foi D. Maria da Gloria Dias Guimarães, que professou em 1826 e só faleceu em 17/5/1892. Porém, só dois anos mais tarde, após a morte da última freira, o Estado tomou posse dele. Pretendendo a Câmara do Porto trazer o comboio da linha do Norte para o centro da cidade decidiu destruir o convento e aí construir a estação de caminho-de-ferro. Em 1886 foi decretada a destruição do convento, que se encontrava em muito mau estado, e 7 anos mais tarde a da igreja.
Assim, a demolição dos claustros e convento inicia-se cerca de 1894 e a da igreja processa-se entre Outubro de 1900 e Outubro de 1901.



Este tramo da muralha, a Norte do convento foi destruído juntamente com ele. À direita ficava a viela da Madeira e a Calçada da Teresa, hoje Rua da Madeira, personagem desconhecida e que desencadeia polémica entre os historiadores. Já vimos referidos Calçada de Santa Teresa, de D. Teresa e da Teresa. Era a ligação a Cimo de Vila antes da construção da Rua Nova de Santo António. Em frente ficava o Botequim do Frutuoso, um dos primeiros do Porto.


Com o convento destruído, a Igreja ainda se encontra de pé.


Destruição da Igreja de S. Bento de Avé Maria – Aurélio Paz dos Reis 1901 
Pretendeu-se, ao tempo, aproveitar as pedras do convento para erigir uma nova igreja em Cedofeita. Ainda foi construída a capela-mor, que serviu de templo durante muitos anos, até à construção da actual Igreja Paroquial. Por trás desta ainda se encontra o templo anterior. Para este foram também cedidas imagens, alfaias, a cadeira da abadessa e paramentos que eram da igreja do extinto convento. Parte da talha e outros belos objectos estão no Museu de Arte Sacra no Seminário Maior. 
O órgão desta igreja foi comprado pela Igreja do Bonfim por 601$000 reis. O maior sino está na Capela dos Franciscanos da Rua dos Bragas. 


Porta de Madeira que se encontra no museu – foto Portojo


Ossário das freiras no cemitério do Prado do Repouso construído em 1894 – cercadura de pedra feita com uma porta que dava do claustro para o coro inferior.


Cruzeiro que foi do Convento de Avé Maria e que está no cemitério do Prado do Repouso.