domingo, 28 de fevereiro de 2016

MATOSINHOS, LEIXÕES, LEÇA DA PALMEIRA - I

6.3.9 - Matosinhos, Leixões, Leça da Palmeira - 1


“Mapa he ademonstração da Costa do Mar desde a Villa de Matozinhos, athe a Barra da Cidade do Porto 
Por Jozé Gomes da Cruz, Piloto das Naus de Guerra. 1775
Cópia de 1906”. Arquivo da APDL.

Parte do texto desta imagem:
« (…) defronte da dita villa (Matosinhos) se reprezenta a grande pedra de Leixões, que pode servir para asento de hum castello, à sombra do qual tenhão abrigo os navios que não poderem entrar na Barra da dita Cidade do Porto, também se pode entulhar pela parte do Norte com Navios velhos carregados de pedra, hum espasso que ha entre a dita pedra e outras que lhe ficão pela parte do Norte (…) desta obra rezultará no tempo de Guerra escuzarem de hir os Navios recolher-se a Galiza e lá fiquarem prizioneiros, ou perderem-se hindos corridos com temporal (…) ficarão os navios assim abrigados dos ventos Sues, Oestes, Noroestes e Nortes, e não lhe poderão fazer muito danno os mais ventos (…) ».
A pequena reentrância que se vê entre Leixões e o Rio Douro deverá ser o carreiro do molhe que nesta data ainda não tinha sido construído.


Molhe Norte visto dos Leixões

«… porque estando (…) metidos ao mar huns escabrosos penhascos, a que chama Leixoens o vulgo; por mais que as tempestades embravecidas ostentem nelles com encapellada inchação e horrorosos deliquios, nunca nelles se vio haver naufragio, antes sim seguro asylo a toda a embarcação, que de proposito encaminha o rumo a este surgidouro admiravel, para salvar-se de todo, o que de outra sorte seria infallivel estrago, e notorio perigo, conseguindo deste modo bonança na mais furiosa tormenta.» António Cerqueira Pinto, História da Prodigiosa Image..., 1737.
« Em distancia de hum quarto de legoa a o mar, em direyto da boca do rio, está descoberta hua penha de grande e plana área, (…) dizem os engenheyros que se pode edificar hum cáys para ir a pé enxuto ao dito penhasco grande chamado Leyxoens edificar hua boa Fortaleza para defesa de hum surgidouro excelente de grande quantidade de Navios, muyto util para todo o tempo, muyto mais para o em que não podem entrar (n)a Barra do Porto, por seus continuos perigos. » Pde. Luís Cardoso, Memórias Paroquiais, 1758.
“Quis Deus ou a Natureza que na foz do rio Leça, a meio quarto de légua da costa, se elevasse das águas atlânticas um conjunto de rochedos a que os homens deram o nome de «Leixões». Eram o «Espinheiro», a «Alagadiça», o «Leixão» grande e pequeno, como grande e pequeno eram também os rochedos da «Lada». Mas havia também o «Tringalé», o «Galinheiro», o «Cavalo de Leixão», a «Quilha», a «Baixa do Moço», o «Fuzilhão», o «Baixo do Leixão Velho» e muitos outros…” Site APDL – os textos a que referirmos serem recolhidos no site da APDL foram escritos por Joel Cleto.


Situação de Leixões em relação ao Porto – 1892

“Numa costa frequentemente assolada por tempestades e nevoeiros, perigosos dada a existência de abundantes penedias traiçoeiras só visíveis nas vazantes, e que muito contribuíram para o sombrio e nefasto título de «Costa Negra» dado a esta região durante séculos, o refúgio formado naturalmente pela enseada dos Leixões não poderia deixar de escapar à atenção e argúcia dos Homens. E, com efeito, desde a mais recuada Antiguidade é a intervenção humana, mais do que a natural ou a do Criador, que moldará a história de Leixões. Mesmo que, para tal, muitas vezes tenham os mortais enfrentado as adversidades impostas pela natureza, e outras tantas tenham vencido o que pareceu ser a oposição do divino ou, quem sabe, a vontade do Demo.
Não bastavam já os Leixões, também o próprio rio Leça contribuía e reforçava o apelo ao abrigo. Deslizando suave, nesta etapa final da sua viagem, o rio desaguava num convidativo estuário, navegável para montante até uma distância considerável. Tais potencialidades eram já aproveitadas no 1º milénio A.C. quando, muito próximo da sua embocadura, numa elevação da margem esquerda que hoje designamos por Monte Castêlo, surge um importante povoado da Idade do Ferro: o Castro de Guifões, habitado por Brácaros Galaicos. Na base do morro, junto ao rio, desenvolver-se-ia, seguramente, uma estrutura portuária, ainda que incipiente. Os achados arqueológicos recolhidos vêm atestando da chegada – por via marítima - de produtos originários de paragens longínquas.
Colonizado pelos romanos, a partir do século I A.C., o Castro de Guifões pertence agora, e insere-se com assinalável sucesso, no vasto espaço económico e comercial que é o Império Romano. Salvaguardadas pelos Leixões e conduzidas até à elevação onde se implantava este povoado através do rio Leça, as embarcações da época aqui fazem chegar produções agrícolas do sul da Península, conserva de peixe do estuário do Sado, cerâmicas e outras expressões da cultura material de Itália, sul de França, norte de África, oriente mediterrânico… Desta forma, a foz do Leça transformava-se , há já dois mil anos, num importante interface portuário e comercial da região, muito especialmente para os restantes povoados que se implantavam na bacia deste rio ou nas suas cercanias. E, desde então, ao longo da História, não mais a foz do Leça e o seu porto marítimo-fluvial deixaram de possuir tal importância. Por vezes a uma escala regional reduzida, muitas outras influenciando vastas áreas.
Entretanto o domínio romano resultara, igualmente, num povoamento mais disperso e contribuíra para uma maior aproximação das populações ao litoral marítimo e às margens fluviais. Neste contexto, ainda durante os primeiros séculos da nossa Era, iniciar-se-á a ocupação do espaço hoje coincidente com a cidade de Matosinhos-Leça. E se para esta última freguesia, implantada na margem direita da foz do rio Leça, uma vez mais a arqueologia revelou recentemente provas dessa ocupação tão remota, para o caso de Matosinhos, na margem esquerda, é a própria origem do topónimo. Site APDL


Proposed Harbour at Leça, 1865 
James Abernethy - London para um porto na foz do Leça 
Arquivo da APDL


Albano Sarmento - 1963


Velha ponte romana de pedra no Rio Leça
 

Portugal Antigo e Moderno – 1870


Pormenor de Plan denoting course of the proposed Line of Tram-way - (planta da proposta de uma linha férrea ligando a cidade do Porto a Leixões, ao longo da orla marítima e da Foz do Douro), incluída no "Relatório de William Freebody". Londres, 1854. Arquivo da APDL.


“Com a ideia de construir um porto artificial em Leixões a ganhar forma, para obviar as dificuldades da barra do Douro, em 1879 o engenheiro inglês James Abernethy propôs a construção de um canal que, atravessando Matosinhos e o que é hoje a orla marítima da cidade do Porto, conduziria as embarcações desde os futuros molhes de Leixões até ao Douro, evitando a sua barra. Na verdade, argumentava-se, apenas a embocadura do rio era perigosa, não apresentando o resto do seu curso ao longo dos cais portuenses grandes dificuldades. Eram, sem dúvida, fortes as pressões contra o desvio do tráfego marítimo do Porto para Leixões, que ficava a muitos quilómetros da cidade e tinha acessos muito deficientes. De qualquer forma, a construção do porto de Leixões acabou mesmo por avançar, não se construiu nenhum canal e os portos do Douro acabaram por ir definhando progressivamente”. Site da APDL


Projecto do Porto de abrigo de Leixões – 1892

Após mais de cem anos de desacertos com Lisboa e conflitos de interesses entre portuenses, a tragédia do vapor Porto foi decisiva para se começarem os estudos e a construção do Porto de abrigo de Leixões. 
Projectada pelo engenheiro Afonso Nogueira Soares, o porto de abrigo, foi inaugurado em 1895, embora desde há dois anos os barcos aí carregassem e descarregassem passageiros e carga, por meio de batelões. Em 13/1/1915 foi aprovado o empréstimo de 7.500 contos para adaptação do porto de abrigo a porto comercial.


«Porto de Leixões. Planta Geral das obras de melhoramento e de construção do Porto Comercial», in Adolpho Loureiro e Santos Viegas, Porto de Leixões. Projecto do melhoramento …, Lisboa, 1908.


Variante nº. 2 à planta acima de Abril de 1916 – projecto definitivo pelo Engº. Daniel Gomes d’Almeida.


...


O Tripeiro – volume 4

« Não se doma facilmente o oceano, não se modifica, sem ter que vencer grandes dificuldades, a obra espontânea da natureza. 
Mas a ciência, a engenharia hidráulica, confiada nos seus poderosos recursos, ia encetar a luta com o oceano, e estava certa de vencê-lo, não sem violentas refregas e frequentes conflitos com tão valoroso adversário. 
Por sua parte, o mar revirava o dente à hidráulica, procurava reaver o terreno que a ciência lhe conquistava, e, apesar de ficar vencido na luta, ainda não está resignado com a derrota, ainda de vez em quando, como aconteceu o ano passado, se arremessa em fúria contra o porto de Leixões para desfazê-lo. » Alberto Pimentel, O Porto de Leixões …, 1893.


Molhe Norte em construção, foto de 1913 - esta foto está ao contrário, pois o molhe deveria virar para a direita, lado Norte. O barco ao longe, à esquerda, será o Veronese encalhado e é bem visível a… 


…Capela de S. João da Boa Nova ainda sem o farolim ao seu lado, construído só em 1916.


Construção dos molhes – 31-8-1889

“Estavam pois, finalmente, reunidas as condições para se iniciar a construção do Porto de Leixões e, ainda em 1883, por decreto de 23 de Outubro, era aberto um concurso internacional. Na sequência deste é lavrado, logo em Fevereiro do ano seguinte, o contrato com os empreiteiros franceses «Dauderni et Duparchy» que haviam vencido o concurso (em boa verdade haviam sido os únicos a concorrer). Valor da adjudicação: 4.489.000$00 (reis). Durante o período da construção ocorreria a morte de Dauderni, passando a empreitada para o nome de «Duparchy e Bartissol», o que não colocou em causa os prazos previstos: entrega provisória em 1892 e definitiva em 1895.
As obras de construção do Porto de Leixões iniciaram-se em 13 de Julho de 1884 e os trabalhos foram dirigidos pelo engenheiro francês Wiriot, sob a fiscalização do governo português que, para tal, nomeou o Engº Nogueira Soares, autor do projecto. Projecto que, fundamentalmente consistia na construção de dois extensos paredões ou molhes (o do lado Norte com 1.579 metros e o do lado Sul com 1.147), que enraizados nas praias adjacentes à foz do Rio Leça, formavam uma enseada com cerca de 95 hectares, com fundos entre 7 e 16 metros de profundidade. Além dos paredões foi construído, igualmente, um quebra-mar que, elevando-se apenas um metro acima do zero hidrográfico, prolongava em mais algumas centenas de metros o molhe norte. Terminava este esporão numa plataforma onde emergia um farolim". Site APDL


“… um dos titãs foi, também ele, protagonista de um fortíssimo temporal ocorrido na noite de 22 para 23 de Dezembro de 1892. Para a memória do porto fica então a queda ao mar do colosso do molhe norte. Só mais de três anos depois, em Abril de 1896, após muitos estudos e esforços, se conseguiria recuperar aquele titã do fundo marinho, com o auxílio de potentes macacos mecânicos assentes sobre barcaças. Rapidamente recuperado, o gigantesco guindaste retomou a sua actividade”. Site APDL



Grua que transportava os blocos de pedra, de 50 toneladas, para os titãs.


1885

Rochedos de Leixões e extremidades dos dois molhes – Titã, um dos grandes guindastes construídos propositadamente para esta obra e grua utilizada para erguer e transportar sobre carris os blocos artificiais de 50 toneladas, junto ao Senhor do Padrão. Fotos de Emílio Biel – Arquivo da APDL



Pedreiras de S. Gens


Pontão de madeira para o transporte de areia par a construção do molhe Norte – foto Emílio Biel


Ramal de Leixões às pedreiras de S. Gens – ver filme abaixo

“O assentamento dos molhes fez-se, preferencialmente, sobre os diversos rochedos que, ao largo, já constituíam o porto de abrigo natural: os leixões, donde resultou a designação do porto. E, para a construção dos molhes, foi utilizado o granito de pedreiras próximas, a mais importante das quais foi a de S.Gens (Custóias) que se viu ligada a Leixões por uma linha de caminho de ferro, com cerca de sete quilómetros de extensão, construída expressamente para esse fim. Chegadas as pedras aos estaleiros e oficinas, montados em Matosinhos e Leça da Palmeira, estas eram então trabalhadas e conglomeradas de forma a darem origem a enormes blocos graníticos que chegavam a atingir as 50 toneladas”. Site APDL 


Estaleiros da construção do Porto de Leixões

Ramal de Leixões às pedreiras de S. Gens – Cinemateca Portuguesa 

Porto de Leixões – Cinemateca Portuguesa 

quarta-feira, 24 de fevereiro de 2016

RIO DOURO - BARRA VIII

6.3.8 - Rio Douro - Barra VIII - Tragédia do vapor Porto


As ligações por navio a vapor entre Porto e Lisboa começaram em 1821 com o Lusitânia, o primeiro vapor nacional. Este naufragou na Ericeira em 1823. Em 1825 foi retomada a ligação com o vapor Restaurador Lusitano, que naufragou em 1832 durante as lutas liberais. – desenho do blogue Do Porto e não só.


Alvará do Vapor Restaurador Lusitano de 1824 – do blogue Do Porto e não só


Com a devida vénia vimos transcrever um texto do blogue Porta Nobre, como que uma profecia à terrível tragédia do Vapor Porto, 7 anos mais tarde:
“O (quase) desastre do vapor Porto
Conhecido de todos os portuenses que amam a história da sua cidade, o desastre do vapor Porto é talvez segunda maior tragédia marcada na história da cidade logo a seguir à da Ponte das Barcas. Este vapor desfez-se completamente ao entrar na barra do Douro no ano de 1852, com a perda da quase totalidade das almas que seguiam a bordo. (Não podemos deixar de lembrar a tragédia do incêndio do Teatro Baquet que fez mais de 100 vítimas mortais).
No entanto, já em 1845, o mesmo vapor fora protagonista de um episódio bastante terrível, onde esteve na eminência de se perder. Contudo não foi na entrada da barra do Douro mas sim do Tejo, o outro extremo das suas carreiras regulares.
Vejamos o que uma breve notícia publicada no Periódico dos Pobres de 1845 de 13 de Novembro nos conta, seguido de uma carta de uns dos seus passageiros a um amigo, onde o mesmo relata momentos tenebrosos. Momentos eventualmente iguais aos de 1852 mas do qual, desse desastre, ninguém sobreviveu que os relatasse.


O vapor Porto depois de uma viagem tormentosa em que veio sempre aberto de mar e tendo levado muitas horas para andar apenas 3 milhas na altura do Cabo da Roca, esteve perdido sem esperança alguma de salvação, ao entrar a barra do Tejo: se não fora um tufão de vento que o arremeçou para fora dos cachopos, não havia já salvação, perdidos dous ferros, duas velas, uma amarra, e um cadeado, e não dando pelo leme. O capitão aproveitou este arrojo de temporal que lhe foi favorável para mandar dar toda a força à máquina e conseguisse metê-lo dentro do Tejo. O barco precisa de bastantes reparos. E avalia-se em 600$ reis as perdas que sofreu, além da avaria da carga. Queixam-se de que a administração fizesse sair o vapor da barra do Porto, ameaçando o tempo mudança e prognosticando os pilotos da Foz próximo temporal. 

"(carta particular) 
Pego imediatamente na pena para dar parte a V. Exa da minha feliz chegada, depois da minha infeliz e fatal viagem. 
Não posso descrever-lhe os sustos e perigos contínuos em que sempre íamos, porque nem há palavras que o digam, nem o curto espaço de uma carta eram bastante para dize-los; com tudo para que V…. saiba que é um homem ressuscitado que lhe escreve, sempre lhe direi em resumo, que tivemos uma viagem de 48 horas debaixo de céu escuro e temeroso, por cima de um mar de serras e profundos abismos de água, e açoitados por um sudoeste e aguaceiros que em cada minuto nos davam mil mortes. 
O barco rangia todo e parecia querer desconjuntar-se a cada golpe de mar que lhe batia; a máquina, com uma das rodas quase sempre debaixo de água, e com a outra trabalhando em seco, não só nos não deixava navegar com a força inteira, senão que os vagalhões á proa mais nos retardavam o termo da nossa infeliz viagem. 
Depois de tão calamitoso acontecimento, já V…. vê quão pouco venceríamos naquela noite de 4ª feira, porque na madrugada de 5ª apenas teríamos vencido um 3º da viagem. Porém, se a noite de saída nos foi tão trabalhosa, quanto e quanto mais não foi de assustar, todo o dia imediato, e a noite e manha de 6ª feira!! – chegamos na 5ª feira pelas 8 horas da noite ao Cabo da Roca, e quando eram 6 da manhã seguinte ainda estávamos no mesmíssimo ponto, sem ter avançado uma polegada. 
Finalmente viemos á barra pelas 11 da manhã do dia 7, e depois de ter entrado pela do norte, muito junto da Torre de S. Julião, veio um aguaceiro tão forte com tufões de vento, cerração, trovões e grande mar pela proa, que a nossa perda tornou-se inevitável sem esperança de salvação. O barco não deu mais por leme nem a máquina o movia, só o mar o levava para trás como à matroca, acima de uns cachopos que lhe ficavam na popa, onde o mar se quebrava em serra de água; ao lado, uma grande laje que nasce da Torre e entra muitas braças pelo mar dentro. 
Neste estado aterrador já as caixas das rodas estavam quebradas pelo mar, e os varões de bronze da escada vergados sobre a borda, como rolos de cera. Pintar-lhe o meu estado e o de todos os os passageiros não posso; soube-o sentir, mas não dizê-lo. 
O barco, tendo-lhe caído a carga a um lado já tinha um bordo e uma roda debaixo de água, e neste último desamparo de todo o socorro, ainda veio um golpe de mar quebrar um bocado da popa justamente por trás do beliche de L… que caiu para o meio da câmara com um neto nos braços, toda alagada em água e dando um grito de terror, como quem se julgava submergida. – Nisto manda o capitão lançar dous ferros à proa, mas isto que ainda nos daria dous minutos de vida, enquanto o mar não nos submergia, ia sendo a nossa perdição imediata, porque os ferros puxaram tanto pelo navio que logo abriu uma grande brecha ao lume d’agua, por onde nos íamos alagar e todos ao fundo sem remédio. 
Neste lance, imagine V… como eu teria o meu espírito, vendo-me ali acabar com minha mulher, meus filhos, e meu neto!!! Todos fazíamos actos de contrição, e pedíamos salvação para as nossas almas, que para o corpo ninguém contava com ela. Como os ferros fizeram abrir o navio, picaram-se logo as amarras, foi tudo dar à bomba, e ficamos a Deus misericórdia, para ali terminarmos nossos dias. Porém, quis Deus acudir-nos neste perigo extremo, logo que o navio ficou solto dos ferros, um grande mar do lado que estava deitado o levantou, e como assim desgovernado tinha posto a proa à barra do sul, e ficou um pouco mais desafrontado: o Figueiras gritou – toda a força na máquina -, e o vapor começou a navegar, posto que lentamente, pela barra do sul, e nos salvamos. – é um homem ressuscitado que lhe escreve, e que ainda se lembra da promessa que fez de ir a A. quando vivia da outra vez". 

Uns dias depois, o armador do Porto vinha repor a verdade quanto á acusação que lhe fora feita de autorizar o navio a sair da barra quando se prenunciava mau tempo, dizendo: tendo alguém tratado de acusar a Administração dos Vapores por mandar sair o Porto quando os pilotos da barra prognosticavam temporal, podemos afirmar que vimos cartas do piloto da barra que autorizavam a dita saída. 
Apesar dos eventuais grandes estragos provocados no navio, poucos dias depois, ainda no mesmo jornal, se vê o anúncio da saída do porto de Lisboa, em mais uma das suas viagens regulares. Foi assim ultrapassado este incidente de uma forma mais rápida do que se nos aparenta pelos atrás ficou descrito. 
Sete anos depois, o mar não seria tão clemente com este navio, soçobrando ele à entrada da barra do Douro com desfecho trágico que todos conhecemos. 
Publicada por Porta Nobre à(s) 3/24/2013,“


Já desde o reinado de D. João V que se pensava em construir um porto artificial sobre os rochedos de Leixões, e os primeiros estudos já vinham do séc. XVII.


Gravura alusiva ao naufrágio do vapor Porto

Em 28/3/1852 o vapor Porto saiu da barra com destino a Lisboa. Apesar da ameaça de mau tempo seguiu a sua rota até que, nesse dia à noite era tal o temporal que o capitão decidiu regressar e rumar a Vigo. No dia seguinte, ao raiar da aurora foi avisado, de terra, para se fazer ao largo, pois o mar havia piorado. Porém, os passageiros em grande angústia, e contra a vontade do capitão, obrigaram-no a rumar à barra do Porto e não seguir para Vigo. Tal foi a sua insistência que este cedeu, autorizado pelo piloto-mor.


O barco foi encalhar na rocha do Touro (11) onde permaneceu até à noite. Ouviam-se em terra os gritos e pedidos de socorro dos passageiros e tripulantes, porém nada podia ser feito para os salvar dado não haver quaisquer meios de salvamento. Foi então que Ricardo Clamouse Brown e António Ribeiro da Costa e Almeida saltaram para uma catraia e saíram para o mar. Porém, este estava de tal forma violento que os arrastou para a praia. Um arrais, Manuel Francisco Moreira Júnior ainda se conseguiu aproximar e segurar uma corda atirada pelo Porto. Mas era tal a força do mar e dos passageiros a puxá-la que o capitão deu ordem de a cortar para salvar a vida dos pilotos. Por fim uma enorme onda levantou o barco e atirou contra a pedra da Laje, tendo-se o barco partido a meio. Salvaram-se apenas sete dos sessenta e um tripulantes e passageiros, entre os quais algumas crianças. A administração da empresa do navio foi muito culpada e condenada, pois sabia que este estava em péssimo estado de navegabilidade.
O naufrágio do vapor Porto foi um tremendo abalo para a gente os habitantes da cidade, pois nele pereceram personalidades muito conhecidas, entre eles, José Allen, irmão do Visconde de Vilar d’Allen, e suas duas filhas, o Cônsul de França, o pai de Ana Plácido, amante de Camilo, e outros. 


Azulejos com desenho do naufrágio do Vapor Porto

“Poucos dias depois do naufrágio do «Porto» o Governo nomeia uma comissão, encabeçada pelo Engenheiro Belchior Garcez para propor o que se julgasse conveniente para aumentar a segurança do Douro. Era apenas o início. Muitos outros projectos, estudos de correntes, avaliação das cheias, propostas e efectivas destruições de penedias e quebramento de rochas, construção de novos cais, molhes e enrocamentos de margens, se seguiram nas décadas posteriores, da responsabilidade de tantas outras comissões ou de engenheiros, muitos dos quais estrangeiros, especialmente contratados para tal objectivo. Seria imensa a lista e a paciência do leitor esgotar-se-ia. Teimosamente deixem-nos, no entanto, relembrar alguns:
1854 – o engenheiro francês Gayffier propõe um cais do Passeio Alegre até aos penedos das Felgueiras;
1854 – é contratado o engenheiro londrino William Jates Freebody para vir examinar a barra do Douro e elaborar um relatório com soluções;
1855 – um outro inglês, o engenheiro hidráulico sir John Rennie, apresenta um relatório onde defende a destruição de uma série de rochedos;
1858 – o engenheiro inglês, Knox, apresenta um projecto que previa o aterro da foz do rio, abrindo-se no Cabedelo um canal com eclusa que desembocaria num porto de abrigo construído no mar e formado por molhes marítimos;
1859 – projectos do engenheiro Joaquim Nunes de Aguiar e do inspector de Obras Públicas José Carlos Chelmiki;
1859 a 1862 – pormenorizados estudos hidrográficos dirigidos pelo engenheiro Caetano Maria Batalha que conclui, igualmente, pela necessidade de destruição de inúmeros penedos, muitos dos quais até profundidades que deveriam atingir os seis metros;
1863 – o engenheiro francês, H. Luzeu, defende que a melhor solução é mudar a orientação da entrada do Douro, sugerindo para tal a construção de dois molhes curvilíneos a sair do Cabedelo e de S. João da Foz alterando, efectivamente, o rumo das águas do Douro no seu contacto com o mar. Mais um projecto, como tantos outros, que não passou do papel. O mesmo aconteceria com os de Léo de La Peyrouse e Robert Messer, ambos de 1865.
Concludentes foram, no entanto, os estudos dirigidos pelo engenheiro Afonso Joaquim Nogueira Soares de 1869 a 1871. As suas propostas, aprovadas pelo Governo de 1873, embora com sucessivas modificações e melhoramentos, foram efectivamente implantadas em trabalhos que dirigiu até 1892. Data deste período, entre outros, a construção do molhe norte da Foz do Douro, o enrocamento da praia das Argolas, o aterro do Passeio Alegre, o varadouro da Cantareira, o molhe de Carreiros, o molhe das Felgueiras ou do Farolim…
Mas, por esta altura, o leitor já estará cheio de datas, nomes e projectos. E a pergunta, adivinhamos, está no seu pensamento: Sim… mas Leixões?
Neste grande conjunto de estudos e projectos, desde cedo Leixões e a foz do rio Leça surgem como a alternativa ideal para o velho porto comercial do Douro. Disso não têm dúvidas alguns dos mais eminentes engenheiros estrangeiros a quem o governo solicitara opinião. Embora autor do projecto já referido, da construção de dois molhes na foz do Douro que permitisse uma mudança de orientação das águas do rio na sua desembocadura, o francês Luzeu defende claramente a alternativa da construção de um novo porto. Quem não se limitou a defender tal hipótese, avançando mesmo com projectos, foram os também já aqui referidos ingleses Freebody e Rennie, ambos em 1855.
Assim, apesar de sucessivamente adiado e dos interesses que se jogavam contra a sua efectiva materialização, ia ganhando pois espaço e adeptos a ideia de um porto em Leixões. Muito mais quando, dez anos depois, datado de 17 de Março de 1865, um novo projecto, da autoria do engenheiro Manuel Afonso Espregueira, que previa a construção de dois molhes enraizados na praia, consegue reunir os consensos necessários para obter, três anos depois, o parecer favorável do Conselho das Obras Públicas.
Mas seria necessário esperar ainda mais alguns anos. Tempo para o engenheiro inglês James Abernethy produzir dois planos e para fazer aparecer em cena as duas personagens que, tecnicamente, iriam produzir em definitivo o projecto do Porto de Leixões: o inglês Sir John Coode e o já nosso conhecido Afonso Joaquim Nogueira Soares – o engenheiro que vinha dirigindo os trabalhos na foz do Douro. É de facto com base nos projectos apresentados em 1878 por Nogueira Soares e em 1881 por Coode que, em 1883, o ministro das Obras Públicas, Hintze Ribeiro, apresenta na Câmara dos Deputados uma Proposta de Lei autorizando o Governo a adjudicar a construção do porto artificial de abrigo de Leixões. E, julgando-se convenientes algumas modificações é responsabilizado pela elaboração do projecto definitivo o engenheiro Nogueira Soares, que o dará por concluído no dia 24 de Agosto de 1883. Justo será salientar o nome de Adolpho Loureiro que, durante este período, faz parte de uma série de comissões que acompanham a elaboração do projecto final. E assim, depois de muitas décadas de espera (séculos para os mais visionários), nesse mesmo ano de 1883 era aberto concurso internacional para a definitiva construção do Porto de Leixões. Base de licitação da obra – 4.500 contos de reis.”. Site da APDL
Como se conclui, a catástrofe do vapor Porto foi a causa próxima para se avançar rapidamente para a construção do porto de abrigo Leixões. 


Foto de Helena Cristina Coelho

Uma história que “liga” Leixões ao Douro, escrita por António Nicolau d’Almeida a O Tripeiro, que pelo seu ineditismo, pensamos ser interessante acrescentar:

domingo, 21 de fevereiro de 2016

RIO DOURO - BARRA VII

6.3.7 - Rio Douro - Barra VII - Barcos infectados - Cheias do Douro - Mar bravo na Foz - Capela/Farol da Senhora da Luz


Em Setembro de 1856 o Conselho de Saúde Pública determinou que 12 barcos surtos no rio saíssem da barra ou fossem afundados, dado que se suspeitava estarem infectados com febre-amarela. Esta medida provocou uma forte reacção na cidade, pois a doença já estava dada como curada.
Oito conseguiram tripulação para sair, mas 4 delas foram mesmo afundadas. Na foto acima podem ver-se a barca Lima e o brigue S. José já com água até ao convés. Estas fotos são de Franz Burmester.
Também, em 14/8/1900 o vapor procedente de Londres, City of Amsterdam, com 16 passageiros a bordo, foi obrigado a sair do Douro pois na carta de saúde estava escrito que naquela cidade se teriam verificado dois casos de peste. Porém, no dia 17 foi autorizado a reentrar, pois já não tinha víveres a bordo. Foi um acontecimento muito criticado porque Londres nunca deixou de receber os barcos que foram do Porto durante a peste de cá.


“Soares dos Reis estreou-se como repórter artístico do "Occidente", no número 15, de janeiro de 1879, com o desenho do vapor inglês "Olga" que havia sido abalroado pelo vapor da marinha mercante francesa "Constantin". O "Olga", que sofreu danos irreparáveis, veio a encalhar na praia de Matosinhos e Soares dos Reis dirigiu-se ao local do sinistro onde registou, em desenho, o acontecimento”. In Porto Desaparecido


Barco encalhado no Cabedelo - Photo Guedes - 1900


Cheia de 17 a 25 de Dezembro de 1909 – Desde o séc. XVIII a maior cheia foi a de 1739 seguida das de 1909 e 1962. 




Cheia do Douro de Dezembro de 1909 – fotos da Ilustração Portuguesa nº. 203 de 10/1/1910 - sobre as cheias do Douro ARC descreveu-as em capítulo próprio que trataremos na devida altura..


Silver Valley encalhado no Cabedelo – 16/2/1963


“O encalhe deu-se na madrugada do dia 26 de abril de 1988, na praia da Madalena (...). O navio japonês transportava cerca de 5400 automóveis da marca Toyota. Vinha do Oriente e tinha feito escala no porto de Leixões, para abastecer e desembarcar duas centenas e meia de carros, com destino à empresa Salvador Caetano, de Vila Nova de Gaia, devendo depois seguir para a costa irlandesa. Navegava sob bandeira panamiana, com uma tripulação de 22 homens, todos coreanos.
O Reijin saiu do porto de Leixões já com sinais de não estar nas melhores condições, devido talvez ao mau acondicionamento da sua carga, ou a imperfeição da sua construção. O barco não tinha mais de um ano e esta foi a sua primeira grande viagem.
Saiu já adornado, prosseguindo a sua rota paralelamente à costa em vez de se fazer ao largo. O mar um tanto ou quanto alteroso nessa noite deve ter dificultado as manobras da tripulação, acabando o Reijin por se aproximar da costa gaiense e encalhar na praia da Madalena.
Já completamente de lado quando embateu nas rochas, o Reijin abriu uma grande fenda, não saindo mais desse local. Alertadas pela população, várias corporações dos bombeiros de Gaia e do Porto, auxiliados por homens-rãs do Instituto de Socorros a Náufragos, procederam às operações de salvamento dos tripulantes. Alguns dos marinheiros chegaram à costa no meio da noite, outros foram recolhidos no mar. Dada a violência do acidente o mesmo provocou um morto e um desaparecido, não tendo sido encontrado o seu corpo nas buscas que se seguiram”. In Porto Desaparecido

Naufrágios na barra do Douro - Caminhos da História – 18/3/2013 http://videos.sapo.pt/eCyRYT1J9lJWGc472Qoj


Afurada – 1885 – foto Emílio Biel



Foto de Rien Van Der Kaay



6/1/2014


Farol de Felgueiras – Portolovers - 2016

Molhe e farol de Felgueiras. Já no séc. XVIII ARC fala na necessidade de se construir um molhe com farol “ com pedra lançada avulso toda a aberta que há entre o Castelo e as pedras chamadas de Felgueiras “. Porém, devido às grandes crises até meados do séc. XIX nada foi feito. Só em 1866 apareceu o primeiro projecto de autoria do eng. Manuel Afonso de Espregueira. Este foi modificado pelo eng. Nogueira Soares, que passou a dirigir as obras. Segundo Horácio Marçal o primeiro farolim foi instalado em 1882. O molhe ficou definitivamente terminado em 1903. Em 1940 e 1945 o farol foi renovado e melhorado o seu alcance, para as 12 milhas.
O Professor Doutor Francisco Ribeiro da Silva disse-me haver uma dúvida se o rochedo nº. 6 se chamaria da Felgueira ou de Felgueiras. Também Jorge Portojo diz já ter lido da Felgueira. ARC e Sousa Maldonado, na planta da Barra do Douro, chamam-lhe de Felgueiras.


Foto de Deolinda Keng



Ermida e Farol da Senhora da Luz – pormenor do mapa de Teodoro de Sousa Maldonado - 1789


O farol da Senhora da Luz foi mandado construir por alvará do Marquês de Pombal, de 1 de Fevereiro de 1758 e destruído por um raio em 1814, e de imediato reconstruído. – Foto de Frederick Flower, deverá ser dos anos 1853 a 1859. Quando, há anos, visitámos o Palácio da Bolsa foi-nos dito que, antes de haver o telégrafo eléctrico, as comunicações eram feitas por 3 bandeiras, na foto, cujas posições relativas determinavam diferentes informações. Estas eram repetidas noutras bandeiras colocadas na Capela de Santa Catarina e no lugar onde tinha estado a Torre da Marca (ou na porta do Olival) e finalmente no cimo de uma das torres da Sé. Desta forma os comerciantes e proprietários dos barcos eram imediatamente informados dos que iam entrar na barra. – Segundo o blog NAVIOS À VISTA: “Mais dez anos volvidos e nova alteração se registava no sistema de comunicação com a instalação em 1853 do moderno e mais eficiente sistema telegráfico eléctrico Breguet, que entrou em actividade em 1856, enquanto serviço público do Estado só iniciou a actividade no ano seguinte. Este aparelho foi substituído em 1880 por um sistema Morse, até ao estabelecimento em 1885 de um serviço telefónico.”


Monte da Senhora da Luz com o farol e telégrafo, visto do lado de Carreiros. Neste local existiu desde 1680 um oratório a Nossa Senhora da Luz, que já era uma reconstrução de outro anterior. Foi destruído pelos miguelistas em 1832.


A imagem encontra-se na igreja de S. João da Foz.


Nas instalações do antigo farol da Senhora da Luz esteve sediado durante uns anos a administração da revista O Tripeiro.