quarta-feira, 28 de dezembro de 2016

O "AMERICANO" II - 1872 A 1904

6.26.5 - O Americano II - 1872 a 1904, Americano Ripert, Ripert incendiado, Eléctrico em S. Mamede, Igreja de S. Mamede, Conde de S. Mamede


O Americano Imperial tinha bancos sobre o tejadilho



O Americano 8 é o único que sobrevive no Museu do Carro Eléctrico - O Americano deixou de circular em 1904.


O carro Ripert começou a circular em 1883


O carro Ripert começou a sua actividade em 1883 em trajectos que coincidiam, em parte, com os americanos da Carris. Nesses troços servia-se dos carris da concorrência, tendo esta reclamado à CMP que não lhe deu razão. Assim, a Carris mudou o rodado dos seus carros e as linhas, de forma que o Ripert deixou de os poder utilizar. Enquanto os americanos da Carris eram normalmente pontuais, o Ripert era bem o contrário. 
Entretanto houve graves dissidências dentro da empresa, pelo que esta se dissolveu. Henri Latourrette continuou com algumas das carreiras, e um tal Benfolga comprou um carro e começou a carreira da Praça de Carlos Alberto até S. Mamede Infesta. 
O escritor Heitor Campos Monteiro, que vivia em S. Mamede Infesta, e que viajava no carro Ripert, escreveu em 25/2/1910 no Jornal de Notícias, o seguinte: 
”Era um pesado carroção, conjunto pavoroso de madeira e ferro, rastejando quase ao nível do solo. Sobre quatro rodas pequenas, assentava um largo estrado de madeira, com a área de uns bons oito metros quadrados. 
Dentro, dispostos longitudinalmente, transversalmente, em diagonal, e em todas as direcções imagináveis, incómodos bancos de tabuínhas onde um gárrulo grupo de viajantes viajava. 
Do tejadilho avantajado, de que uma curiosa renda de folha de zinco orlava, caíam cortinas de lona rendilhadas também pelos buracos que o tempo lhes fizera. Atrás e adiante, duas formidáveis plataformas, compridas como tabuleiros de ponte, largos corredores de hotel. Na frente, empunhando as rédeas, um cocheiro baixo, espadaúdo, de faces rosadas e bigode pendente, lembrava uma peça de louça de Bordallo. E ao poderoso puxão de três nédias mulas, a formidável mole arrastava-se pesadamente, aos sola­vancos, com um estridor de ferragens que lembrava o largar de terra de uma galera antiga — ora mergulhando de proa a proa, de encontro aos paralelepípedos da calçada, enquanto dentro os passageiros abanavam, dançavam, e se entrechocavam, ameaçando desconjuntar-se com a nave colossal que os conduzia. 
Quase todos os dias, esse pesado veículo antediluviano, que faria o desespero de Quatrefages, lá carregava comigo aos tombos, amolgando-me as costelas e dilatando-me o estômago, até à Cidade Invicta. Era ele – dizia nos seus reclames espaventosos o proprietário do monstro – o mais cómodo e rápido meio de locomoção entre o Porto e S. Mamede… Quanto a comodidade, os senhores calculam pela incompletíssima descripção que atraz deixo. E pelo que toca à rapidez, dias houve em que, largando de Carlos Alberto às 4 da tarde chegava ao “terminus” da viagem já quando as estrelas empalideciam e o gallo cantava a alvorada… 
Às 4 em ponto, hora marcada para a partida, o Ripert chegava à praça, dava lentamente a volta e postava-se em frente à Havanesa. Enchia-se de gente, de embrulhos de mão, de canastras de fruta, de molhos de bacalhau, de caixotes de tabaco…
E quando a carga e passageiros o atulhavam completamente, quando, decorrida meia hora sobre a tabela, se supunha que ele ia largar via-se o cocheiro, imperturbável, descer da platibanda, e pôr-se às passadas no passeio, para aquecer os pés. Erguiam-se protestos. 
- Porque se não partia?
E o cocheiro, serenamente: 
-Está-se à espera do senhor Fulano. 
Decorrias 10 minutos, um quarto, meia hora. 
Surgia, enfim, o sr. Fulano. Havia, dentro do carro um suspiro de alívio. E quando o sr. Fulano se sentava, o cocheiro tornava muito plácido e senhor de si, destacando as sílabas, numa gaguez invencível:
- Ago…ra falta o se…nhor…si…crano.
Mais um quarto de hora de ansiedade. O senhor Sicrano chegava afinal. E já o automedonte empunhava as rédeas, quando o sr. Sicrano voando pelo passeio, gritava:
- Espera, João, ainda não fiz a barba. 
E entrava no barbeiro, perseguido por ou coro de imprecações.
Enfim, estava tudo. Não faltava ninguém. A noite cahia, e ao bruxolear lívido dos candeeiros a pesada machina punha-se em marcha. Mas logo ao voltar para as Oliveiras, alguém se erguia a bradava: 
-Pára ahi, João, pára ahi que me esqueceram os doces.
O joão puxava as guias de encontro ao peito, o Ripert detinha-se, o passageiro ia buscar os doces… Dez minutos depois, o carroção arrancava de novo, - para estacar logo adeante em frente de um talho, à ordem de um passageiro que precisava de comprar meio kilo de lombo. E assim, com uma velocidade útil de 20 metros à hora decorria a temerosa, a fatigante, a interminável jornada! – In O Tripeiro, volume 5



Em 19 e 20/2/1910, S. Mamede festejou a chegada do eléctrico, que passou a ligar á cidade de 20 em 20 minutos desde as 5,37 da manhã até à 1,7 da noite. Acabaram-se as dificuldades da ida a S. Mamede; já os cocheiros não podiam pedir fortunas por uma viagem; já não havia que suportar os solavancos tremendos do carro Ripert. Acabou-se o pesadelo!
O povo de S. Mamede resolveu comprar o último antediluviano carro e fazer-lhe um solene auto-de-fé, em frente à Igreja de S. Mamede. 
Um tal Turidu, pseudónimo de Campos Monteiro leu no acto um pequeno poema de que damos a parte final:


E Campos Monteiro termina: ”E não obstante, quando ao fundo da Avenida do Conde em frente à Igreja Paroquial se ergueu o incêndio que devorou o Ripert, houve quem o chorasse. E eu fui um dos que, involuntariamente se sentiram comovidos. Que diabo! Era um velho conhecimento!” In O Tripeiro, Volume 5.


Igreja de S. Mamede em 1900 – Construída entre 1864 e 1866 graças a Rodrigo Pereira Felício, Conde de S. Mamede, para a qual ofereceu 12 contos de reis.
“Há um episódio peculiar com a doação desta igreja. Rodrigo Pereira Felício aquando da doação e inauguração desta igreja. Rodrigo Pereira Felício aquando da doação dos 12 contos de reis teria dito que queria uma igreja com duas torres, como a do Senhor de Matosinhos. No entanto, o arquitecto Pedro de Oliveira construiu a Igreja à Imagem da Igreja da Trindade, portanto com uma torre só. Aquando da inauguração, estando tudo preparado, Bispo, povo, autoridades, esperando apenas pelo Conde de S. Mamede, Rodrigo Pereira Felício, que chegava do Brasil. Quando a carruagem do conde chegou ao Cruzeiro (actual cruzamento da Rua Rodrigo de Faria com a Av. do Conde) e viu a sua igreja só com uma torre, deu meia volta e retornou ao Brasil, sem mais palavras”. Site da J. F. de S. Mamede Infesta.


Altar-mor da Igreja de S. Mamede Infesta que pertenceu ao Convento de Monchique – foto de Robert Smith dos anos 60 do séc. XX.
Quando a antiga capela do Convento de Monchique estava a ser desmontada chegou ao conhecimento do Conde de S. Mamede que os riquíssimos altares e talha do Convento de Monchique iam ser vendidos ou desfeitos. Resolveu comprar 5 e transferi-los para a Igreja de S. Mamede. São de tal riqueza que vale a pena uma visita a este local para os apreciar. 
Monchique tinha mais dois; um encontra-se na Igreja de Miragaia e o outro foi colocado no novo Hospital Militar do Porto, mas foi destruído por um incêndio.


Sacrário do convento que está na Igreja de S. Mamede Infesta – foto idem acima.


Conde de S. Mamede – 1820/1872


Armas do Conde de S. Mamede

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